USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL – REQUISITOS – AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS QUE DEMONSTREM O TEMPO DE POSSE DO INTERESSADO – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE

DECISÃO

CRISTINE BONFANTE KELLER, OFICIAL DESIGNADA DO 2. REGISTRO DE IMÓVEIS DE CRICIÚMA/SC apresentou SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA, a fim de que seja declarada a impossibilidade de registro de procedimento extrajudicial de usucapião extrajudicial extraordinária em razão da ausência de documentos que demonstrem o tempo de posse do interessado. Caso julgada improcedente, requereu a declaração de possibilidade do registro do procedimento extrajudicial de usucapião mencionado.

Notificado, (Doc. 0109466 – fl. 8), o suscitado apresentou impugnação (Doc. 0137963) na oportunidade em que pugnou pela improcedência da dúvida para declarar adquirida a propriedade do imóvel usucapiendo através do procedimento extrajudicial de usucapião porquanto preenchidos todos os requisitos estampados na lei.

Sobreveio parecer ministerial (Doc. 2034802) o qual discorrendo acerca da temática controvertida, e, entendendo que não comprovado o requisito do lapso temporal necessário à aquisição da propriedade pelo procedimento em análise, pugnou pelo acolhimento da dúvida para declarar a impossibilidade do registro da Usucapião Extrajudicial postulado pelo suscitado – Sr. Valdenir Alexandre Presa.

Seguidamente, os autos vieram conclusos.

É o breve relatório.

Decido.

Trata-se de procedimento de suscitação de dúvida intentada pela Oficial designada do 2º Registro de Imóveis de Criciúma-SC – doravante suscitante acerca de procedimento de Usucapião Extrajudicial ingressado pelo Sr. Valdenir Alexandre Presa – doravante suscitado. Contou que foi prenotado em sua serventia pedido de registro de Usucapião Extrajudicial na modalidade especial rural na data de 26/10/2017 sob protocolo nº. 38.638 tendo como objeto imóvel rural com área de 1.000 m².

O requerimento foi rechaçado pela Oficial competente em razão de incongruências constatadas entre os pressupostos capitulados no art. 1.238 do Código Civil de 2002 com a situação fática demonstrada, especialmente porque identificado que o suscitado durante o período prescritivo titularizou dois outros imóveis, descumprindo o preceito de não ser proprietário de outro imóvel.

Diante da recusa, consta que o suscitado retirou toda a documentação e, um ano depois sob novo protocolo de nº. 40.873, requereu o registro de novo pedido de usucapião, desta vez, na modalidade extraordinária com prazo reduzido pela moradia na forma do art. 1.238, parágrafo único do CC/02.

Incerta do atendimento dos requisitos legais mesmo diante de novo pedido, a Oficial procedeu à diligência no imóvel acompanhada do Escrivão de Paz e do postulante à usucapião, e não obstante a averiguação in loco, ainda restaram dúvidas quanto ao tempo de posse apta a ensejar aquisição da propriedade.

Considerando a nova rejeição ao registro da Usucapião Extrajudicial na modalidade extraordinária, o interessado apresentou impugnação e requereu a suscitação de dúvida sob a qual debruça-se em análise.

Pois bem.

Cuida-se de suscitação de dúvida envolvendo a possibilidade – ou não – do registro de Usucapião Extrajudicial na modalidade extraordinária com prazo reduzido pela moradia relativo ao imóvel de matrícula nº. 7.512 do 2º Ofício do Registro de Imóveis de Criciúma-SC com 1.000 m² e situado na localidade de São Bento Alto, Município de Nova Veneza-SC.

No caso de usucapião especial rural, consoante preceitua o art. 1.239 do CC/02, aquele que não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Por sua vez, tratando-se de usucapião extraordinária, os requisitos encontram-se estampados no art. 1.238, quais sejam o lapso temporal e a intenção de possuir o imóvel como dono: Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Portanto, na usucapião extraordinária consoante pretendido se faz necessário a comprovação da posse ininterrupta e sem oposição, isto é, contínua, mansa e pacífica, qualificada pela moradia no tempo estabelecido em lei com animus domini, ou seja, intenção de possuir a coisa como dono. O possuidor deve comprovar ainda que não é proprietário de outro imóvel rural ou urbano.

No caso em apreço, a prova produzida no procedimento extrajudicial – tanto referente ao pedido de usucapião especial rural quanto o de usucapião extraordinário se mostraram contraditórias e insuficientes a demonstrar os requisitos exigidos pela lei, em especial o lapso referente à prescrição aquisitiva.

Segundo o que produzido no âmbito do procedimento de usucapião extrajudicial na modalidade pretendida, de fato, não foram produzidas provas convincentes quanto ao exercício da posse ad usucapionem, com animus domini pelo prazo mínimo previsto em lei. Ainda que o suscitado pretenda a declaração de domínio com prazo reduzido, carece de prova contundente quanto à utilização da área para moradia, ou mesmo para fins de caráter produtivo.

Nesse viés, como se percebe, o suscitado limitou-se a apresentar ata notarial que desacompanhada de outros documentos aptos a demonstrar a posse ad usucapionem não possui força probante suficiente para corroborar o lapso temporal exigido no art. 1.239 parágrafo único.

No próprio instrumento há ressalva quanto aos efeitos do mencionado meio de prova nos exatos termos:

“A parte foi cientificada de que a presente ata notarial não tem valor como confirmação ou estabelecimento de propriedade, servindo apenas para a instrução de requerimento extrajudicial de usucapião para processamento perante o registrador de imóveis”.

Tem-se que os demais documentos também são contestáveis, visto que o suscitado juntou comprovantes de energia elétrica apenas dos anos de 2013 a 2017, cuja documentação é inapta a demonstrar o cumprimento do requisito objetivo – superação do lapso temporal previsto no art. 1.238, parágrafo único do CC/02 quanto do requisito subjetivo, isto é, a posse do referido bem com intenção de dono (animus domini).

No mesmo sentido, não consta do procedimento extrajudicial comprovante do recolhimento de impostos – IPTU ou mesmo ITR que pudessem indicar com melhor precisão a posse ad usucapionem e o animus domini. Inclusive, mesmo que oportunizada a juntada de tais comprovantes, a parte alegou que “o lapso temporal já se encontra suficientemente provado no bojo procedimental, os proprietários tabulares além de não se oporem a usucapião requerida, serviram inclusive de testemunhas, assim também o fizeram os confrontantes, a própria municipalidade, bem como o tabelião que após o juízo de análise afirmou taxativamente que o requerente é possuidor desde 2002”.

Do contexto probatório adstrito aos procedimentos extrajudiciais também se identificaram pontos de contradição. Exemplificando, quando do pedido de registro de usucapião extrajudicial na modalidade especial rural (primeiro protocolo de nº. 38.638) o suscitado declinou estar na posse do imóvel há 5 anos, e, no entanto, quando do segundo pedido efetuado (protocolo nº. 40.873) foi dito que residia no local há 16 anos, ou seja, o próprio postulante foi incapaz de expor informações fidedignas a respeito do prazo de ocupação.

Interessa notar também que o procedimento de justificação realizado na esteira do segundo pleito de registro, a Oficial compareceu ao imóvel usucapiendo na data de 13/05/2019 por volta das 12:00 horas e, contudo, não foi possível adentrar na residência porquanto o suscitado teria esquecido as chaves impondo fundada dúvida acerca da posse do referido bem. Na ocasião, certificando-se de demais elementos, bem como do aspecto físico do terreno, constatou-se a presença de cerca tão somente ao redor da residência de alvenaria.

Assim, não demonstrado o preenchimento dos requisitos legais, porquanto ausentes provas robustas quanto à posse ad usucapionem sobre a área, com animus domini e pelo lapso temporal mínimo exigido em lei, tampouco quanto à moradia ou realização de obras ou serviços de caráter produtivo no local, é evidente que a dúvida suscitada comporta acolhimento.

Por fim, não obstante a fundamentação lançada, importante ponto deve ser lembrado diante da conjuntura trazida à análise deste juízo. Isso porque, mesmo diante da documentação indicando a ausência dos requisitos autorizadores, entendo, de sobremaneira que o pedido não merecia guarida pela Oficial competente porquanto como se percebe da Ata Notarial redigida e anexada ao procedimento extrajudicial, consta expressamente que o imóvel foi objeto adquirido pelo suscitado (Sr. Valdenir Alexandre Presa) da testemunha do ato notarial então realizado, Sr. Wilson Mondardo nos seguintes termos:

“O Sr. Wilson Mondardo e sua esposa Wanice Trombin Mondardo (acima qualificados), os quais declaram que venderam o imóvel tal como descrito nesse ato ao Sr. Valdenir Alexandre Presa no ano de 2002, contudo, os mesmos não realizaram nenhum documento escrito desse negócio; que o Sr. Valdenir nada deve aos mesmos, que outorgaram à época, como ora em ratificação também o fazem, ampla e geral quitação, nada tendo a reclamar em relação a transação realizada (…).”

Isto é, pretende o suscitado em verdade regularizar a situação do negócio jurídico entabulado e não devidamente registrado através do procedimento de usucapião. Tal fim é vedado pelo procedimento em comento, porquanto como cediço, trata-se o usucapião de aquisição originária da propriedade inclusive em reiterada jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, SOB A JUSTIFICATIVA DE FALTA DE INTERESSE. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DA NULIDADE DA SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE QUE FORAM TOMADAS TODAS AS MEDIDAS PARA O REGULAR ANDAMENTO PROCESSUAL. ANÁLISE DO AUTOS QUE EVIDENCIA A PRESENÇA DO INTERESSE NA DEMANDA. SENTENÇA MANTIDA, NO ENTANTO, POR FUNDAMENTO DIVERSO. ALEGADO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 1.238 DO CÓDIGO CIVIL. IRRELEVÂNCIA. BEM ADQUIRIDO MEDIANTE CONTRATO DE COMPRA E VENDA. HIPÓTESE DE AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE QUE OS APELANTES TENHAM BUSCADO A TRANSFERÊNCIA DEFINITIVA MEDIANTE CUMPRIMENTO DO NEGÓCIO JURÍDICO ENTABULADO. VIA INADEQUADA PARA ALCANÇAR O TÍTULO DE DOMÍNIO DO IMÓVEL QUE DERIVA DE RELAÇÃO NEGOCIAL. SITUAÇÃO A SER TRATADA NA VIA EXTRAJUDICIAL, COM REGULARIZAÇÃO DE DESMEMBRAMENTO DA ÁREA ADQUIRIDA, OU, CASO HAJA RESISTÊNCIA DOS TITULARES EM OUTORGAR A ESCRITURA DEFINITIVA, ATRAVÉS DE ADJUDICAÇÃO. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SENTENÇA MANTIDA, POR FUNDAMENTO DISTINTO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0302069- 77.2014.8.24.0007, de Biguaçu, rel. André Luiz Dacol, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 15-09-2020).

E ainda:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. EXTINÇÃO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR E INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA (ART. 485, VI, DO CPC). RECURSO DOS AUTORES. ALEGAÇÃO DE QUE ESTÃO SATISFEITOS OS REQUISITOS DA USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. CONDOMÍNIO CONSTITUÍDO DE MODO IRREGULAR. DEMANDANTES QUE POSSUEM O TÍTULO AQUISITIVO DA FRAÇÃO IDEAL CORRESPONDENTE À UNIDADE DE APARTAMENTO (CONTRATO DE COMPRA E VENDA). AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE QUE, EM REGRA, NÃO ENSEJA USUCAPIÃO. CLARA PRETENSÃO DE OBTER, INDIRETAMENTE, A REGULARIZAÇÃO DO REGISTRO, COM A CRIAÇÃO DE MATRÍCULA CORRESPONDENTE À UNIDADE ADQUIRIDA. VIA INADEQUADA. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0336253- 11.2014.8.24.0023, da Capital, rel. Helio David Vieira Figueira dos Santos, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 06-08-2020).

Tal circunstância obstaria qualquer possibilidade de cabimento dos requerimentos, visto que, se o imóvel foi adquirido mediante contrato de compra (forma derivada de aquisição da propriedade) não haveria como reconhecer o pleito de usucapião por faltar interesse processual, consoante art. 337, XI do CPC/15, matéria passível de conhecimento de ofício pelo juiz, a teor do § 5º do mesmo artigo, inclusive.

Ao arremate, o bem fundamentado parecer do Ministério Público, discorrendo acerca dos requisitos necessários para a aquisição da propriedade por meio da usucapião extraordinária, destacou que os documentos acostados pela parte tais como comprovantes de residência dos anos de 2013 a 2017, declarações da municipalidade e a ata notarial não possuem, apenas por si, capacidade de comprovar o animus domini bem como o próprio lapso temporal exigido.

Assim sendo, perante o contexto apresentado, é forçoso concluir pela procedência da dúvida apresentada pela Oficial Designada do 2º Registro de Imóveis de Criciúma, ou seja, há que se reconhecer a impossibilidade de registro da usucapião extraordinária nos moldes pretendidos pelo suscitado porquanto ausente comprovação dos requisitos estampados na legislação civil, bem como destacado, pela impossibilidade de se utilizar do procedimento de usucapião para regularização de aquisição derivada da propriedade não documentada de acordo com reiterada jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Por fim, no que diz respeito aos honorários advocatícios, diga-se que “No processo de dúvida, dada a sua natureza administrativa e a impossibilidade de se constituir caráter contencioso em seu bojo, descabe a sucumbência” (CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 449).

DIANTE DO EXPOSTO

JULGO PROCEDENTE os pedidos formulados na presente SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA por CRISTINE KELLER BONFANTE, OFICIAL DESIGNADA DO 2º REGISTRO DE IMÓVEIS DE CRICIÚMA/SC para declarar como impossível o registro da Usucapião Extrajudicial na modalidade extraordinária, porquanto ausentes documentos bastantes a comprovar os requisitos previstos na legislação para aquisição da propriedade.

Sem custas e honorários advocatícios, por força do art. 208 da Lei n.º 6.015/73.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Oportunamente, arquive-se.

Documento assinado eletronicamente por ELIZA MARIA STRAPAZZON, JUÍZA DE DIREITO DE ENTRÂNCIA ESPECIAL, em 08/10/2020, às 18:33, conforme art. 1º, III, “b”, da Lei 11.419/2006.

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