CANCELAMENTO DE USUFRUTO – INSTITUIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI 3.933/66 – FALECIMENTO DOS USUFRUTUÁRIOS NA VIGÊNCIA DA LEI 7.540/88 – DESNECESSIDADE DE COMPROVAR O RECOLHIMENTO DO ITCMD
SENTENÇA
Vistos etc.
Trata-se de suscitação de dúvidas manejada pela escrevente substituta do Cartório de Registro de Imóveis de Urussanga, Sra. Bruna Trombim objetivando informações de como proceder no caso do pedido de averbação do cancelamento do usufruto sob o imóvel de matrícula nº. 8.583, sem o recolhimento do ITCMD, conforme pleiteado pela parte interessada.
Segundo a registradora, Ida Maria Teza requereu a averbação do cancelamento do usufruto sob o imóvel de matrícula nº. 8.583, em razão do falecimento dos usufrutuários, Sra. Júlia Maria Leocadia Tesa e Sr. Pedro Teza, contudo, dispensando-a do recolhimento do ICTMD, ao argumento de que referido usufruto teria sido instituído no ano de 1984, quando ainda vigente a Lei 3.933/66, em que se exigia o ITCMD na sua integralidade, motivo pelo qual não poderia ser novamente tributado, quando da extinção do usufruto.
Contudo, informou a Escrevente que emitiu nota de devolução, alegando entende não ser possível a prática do ato pretendido, pois em seu entendimento para o cancelamento do usufruto sem o pagamento do ITCMD, se faz necessária a comprovação da concessão ou reconhecimento do direito à imunidade ou isenção do ITCMD, devendo tal isenção ser reconhecida pela Fazenda Estadual nos termos do art. 12, II, “e” da Lei Estadual nº. 13.136/2004, mediante solicitação na DIEF-ITCMD.
A parte interessada impugnou a exigência feita pela Registradora, argumentando que o ITCMD relativo ao usufruto instituído no imóvel matriculado sob o nº. 8.583 foi instituído em 1984, sob a vigência da Lei 3.933/66, conforme previa o art. 1º, inc. III da citada norma. Aduz, que até a vigência da Lei 7.540/88, o ITCMD incidia integralmente na instituição do usufruto, tendo à partir da Lei nº. 13.136/2004 passado a incidir sobre a metade do valor venal do imóvel na instituição do usufruto e a outra metade na sua extinção.
Como no presente caso, por ter sido pago integralmente quando da instituição do usufruto, alega a parte interessada que descaberia a exigência do imposto por ocasião da extinção do usufruto, pois os direitos da Fazenda já estariam satisfeitos.
Junta para corroborar seu pedido, decisões administrativas da COPAT – Comissão de Assuntos Tributários e a Norma Técnica nº. 16/2017 da Secretaria de Estado da Fazenda do Estado de Santa Catarina que se posiciona contra a exigência da cobrança do ITCMD em casos semelhantes.
Suscitou, assim, a Escrevente substituta a presente suscitação de dúvida com o objetivo de obter esclarecimento do juízo em como proceder, motivo pelo qual solicitou orientação quanto ao procedimento a ser adotado em relação ao pedido da parte interessada, questionando se é possível a averbação de extinção de usufruto sem a apresentação do respectivo comprovante de pagamento, da concessão de parcelamento ou reconhecimento do direito à imunidade ou isenção, expedido pela Fazenda do Estado de Santa Catarina (DIEF-ITCMD), relativo ao Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação?
Dado vista ao Ministério Público para a devida manifestação este se manteve inerte, conforme certidão (Certidão Urussanga-SF 4695583).
É a síntese do necessário.
Vieram os autos conclusos.
Decido.
Conforme se infere dos autos, a instituição do usufruto em favor de Maria Leocadia Tesa e Pedro Teza se deu em 1984, durante a vigência da Lei nº. 3.933/66, que dispunha nos seguintes termos:
Art. 1º – O imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos incide sobre:
I – a transmissão da propriedade de bens imóveis, em conseqüência de:
III – a instituição de usufruto, convencional ou testamentário, sobre bens imóveis e sua extinção, por consolidação, na pessoa do nu proprietário, ressalvado o disposto no item VI, do artigo 4º;
Art. 4º – O imposto não incide sôbre:
[…]
VI – a extinção do usufruto, quando o nu-proprietário for o instituidor; Por sua vez, no que tange a extinção do usufruto, o art. 1.410 do Código Civil em seu inciso I, assim normatiza:
Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis:
I – pela renúncia ou morte do usufrutuário;
No caso dos autos os usufrutuários faleceram em 14/01/1991 e 19/01/1995, Sra. Júlia Caria Leocadia Teza e Sr. Pedro Teza, respectivamente.
Desta forma, a conclusão é de que a instituição do usufruto se deu por meio da escritura pública lavrada em 30/08/1984 (sob a égice da Lei nº. 3.933/66) que exigia a integralidade no pagamento do ITCMD quando de sua instituição) e a extinção do usufruto se deu em com a morte do último usufrutuário em 19/01/1995 (sob a égice da Lei nº. 7.540/88), que previa em seu art. 8, inc. I que nuproprietário estaria isento do pagamento do imposto na extinção do usufruto, quanto fosse o seu instituidor.
Logo, é de se concluir que o tributo foi devidamente recolhido na sua integralidade no tempo oportuno, ainda que não o fosse, considerando que a extinção do usufruto se deu sob o manto da Lei nº. 7.540/88 estaria a parte interessada (por ser nu-proprietária) isenta do pagamento do referido imposto.
Trazendo como parâmetro de decidir, cabe citar a Nota Técnica nº. 16/2017 emitida pela Secretaria da Fazenda do Estado de Santa Cataria, normatizando acerca da inexigibilidade do imposto no caso dos autos: […] Então, temos que os mesmos fatos – instituição e extinção do usufruto – vem recebendo diferentes tratamentos pela legislação vigente em diferentes momentos do tempo. Contudo, em qualquer hipótese, a mudança de legislação não poderia resultar em gravame maior que o exigível na vigência de uma ou outra lei. Assim, se a instituição e a extinção do usufruto tivessem se dado na vigência da Lei 3.933/1966 ou da Lei 7.540/88, o tributo seria exigido apenas por ocasião da consolidação da propriedade e seria equivalente à aplicação da alíquota sobre a respectiva base de cálculo (valor venal do bem doado).
No caso de ter sido integralmente pago por ocasião da sua instituição, descaberia a exigência do imposto por ocasião da extinção do usufruto, pois os direitos da Fazenda Pública já teriam sido satisfeitos, conforme jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (Primeira Turma, RE 83.855, DJU 1°/out/1976):
USUFRUTO DECORRENTE DE DOAÇÃO A TERCEIRO. COM A MORTE DA DONATARIA, EXTINGUE-SE O USUFRUTO E CONSOLIDA-SE A PROPRIEDADE NA PESSOA DO NUPROPRIETARIO, NÃO SENDO DEVIDO O IMPOSTO DE TRANSMISSAO CAUSA MORTIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
O aresto colacionado continua aplicável nos termos do direito vigente. Com efeito, a Constituição Federal de 1988, art. 155, I, dá competência aos Estados para instituir imposto sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos. No caso em tela, a legislação estadual considera como fatos distintos a transmissão da propriedade e a instituição do usufruto que é um direito real sobre a propriedade. Com a morte do usufrutuário, nos termos da lei civil, não se dá uma “transmissão do usufruto”, mas a extinção do direito real, recompondo-se a propriedade plena. Ora, o art. 110 do CTN veda alterar o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados para definir ou limitar competências tributárias.
A lei nova – Lei 13.136/2004 – exige metade do imposto na instituição do usufruto e metade na sua extinção. Se o contribuinte já recolheu a integralidade da exação, nos termos da lei antiga, o direito da Fazenda já foi satisfeito pelo sujeito passivo, nada mais podendo ser-lhe exigido. Com efeito, na hipótese de tanto a instituição como a extinção do usufruto ocorrer na vigência da Lei 13.136/2004, o imposto seria devido em ambas as ocasiões, calculado sobre base de cálculo reduzida, conforme art. 7°, § 2° (“na instituição e na extinção de direito real sobre bens imóveis, bem como na transmissão da nua-propriedade, a base de cálculo do imposto será reduzida para cinquenta por cento do valor venal do bem”).
Porém, se o imposto – não interessa se o nomen juris for ITI, ITBI ou ITCMD – tiver sido pago integralmente no momento da instituição do direito real, não poderia ser-lhe exigido o recolhimento de mais 50%, por ocasião da extinção, pois corresponderia a um gravame tributário maior do que seria suportado na hipótese de tanto a transmissão da nua-propriedade como a sua recomposição ocorrerem na vigência da mesma lei. Tal exigência contrariaria o princípio da isonomia, insculpido no art. 150, II, da Constituição Federal, que proíbe instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Com efeito, a diferença de tratamento tributário não decorreria da situação do próprio sujeito passivo, mas apenas da circunstância de a instituição do usufruto (transmissão da nuapropriedade) ter ocorrido na vigência de uma lei e a sua extinção (consolidação da propriedade plena) ter ocorrido na vigência de outra lei.
6. Conclusão
À evidência, não se poderia, devido a uma interpretação demasiado literal do texto normativo, exigir do contribuinte 150% do imposto previsto.
Em outros termos, se o crédito tributário já estava integralmente satisfeito, nos termos da Lei 3.933/1966 ou da Lei 7.540/1988, sobre o mesmo fato gerador – instituição de usufruto – nada mais seria devido a título de ITBI ou de ITCMD.
Conforme boa e velha regra de hermenêutica, casos semelhantes devem receber o mesmo tratamento. Independentemente das diferenças entre o ITBI e o ITCMD, as semelhanças nesse particular são patentes: ambas as leis consideram fato gerador a instituição de usufruto e sua extinção. Em ambos os casos, se a obrigação tributária correspondente houver sido integralmente satisfeita, nos termos da lei então vigente, qualquer outro valor exigido com base na lei nova poderia caracterizar crime de excesso de exação, previsto no § 1º do art. 316 do Código Penal: exigir tributo que sabe ou deveria saber indevido.
Tal entendimento é ainda respaldado por decisões administrativas da Comissão Permanente de Assuntos Tributários (COPAT), conforme consultas técnicas nºs.60/2008 e 83/2012, anexas ao presente procedimento. Neste sentido cabe citar jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ITCMD. EXIGÊNCIA DO TRIBUTO POR OCASIÃO DO PEDIDO DE EXTINÇÃO DE USUFRUTO. INCIDÊNCIA FUNDADA NO QUE DISPUNHA A LEI ESTADUAL N. 7.540/88, REGULAMENTADA PELO DECRETO N. 6.002/90, QUE ELEGEU COMO HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA A INSTITUIÇÃO DE DIREITOS REAIS. IMPROPRIEDADE. TRIBUTO QUE, QUE POR DISPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL, SOMENTE INCIDE SOBRE A TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE, POR DOAÇÃO OU MORTE (ART. 155, I). CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM DECORRÊNCIA DA EXTINÇÃO DO USUFRUTO. ATO QUE, POR SI SÓ, NÃO CONSTITUI FATO GERADOR (STF, RE 83.855/RJ, REL. CUNHA PEIXOTO). EXIGÊNCIA, EM LEI POSTERIOR, DO TRIBUTO POR OCASIÃO DA EXTINÇÃO DO GRAVAME. IMPOSSIBILIDADE DE RETROAÇÃO (TJSC, AC 2008.038326-9). TRIBUTO, ADEMAIS, SE EXIGÍVEL FOSSE, HÁ MUITO PRESCRITO. REMESSA DESPROVIDA. (TJSC, Reexame Necessário n. 0309343-88.2016.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Ricardo Roesler, Terceira Câmara de Direito Público, j. 14-11-2017) (grifei).
Com base nos argumentos expostos e forte no entendimento jurisprudencial o deferimento do pedido pleiteado pela parte interessada Ida Maria Teza é medida que se impõe.
Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE a proibição de averbação do cancelamento do usufruto existente sobre o imóvel de matrícula nº. 8.583, registrado no Cartório de Registro de Imóveis de Urussanga e RESOLVO a presente suscitação de dúvida, a fim de determinar que a registradora efetue o cancelamento do usufruto existente no imóvel de matrícula n?. 8.583, dispensando a parte interessada Ida Maria Teza do recolhimento do ITCMD ou da apresentação da DIEF-ITCMD emitida pela Secretaria da Fazenda do Estado de Santa Catarina de dispensa ou isenção, conforme exigido na nota de devolução nº. 115.117, uma vez que, encontra-se devidamente comprovada a condição de inexigibilidade do tributo em questão.
Sem condenação em custas processuais, por se tratar de procedimento administrativo, não havendo previsão na legislação estadual para sua cobrança, conforme parecer emitido nos autos de nº. 0018492- 40.2019.8.24.0710, do Conselho da Magistratura.
Servirá a presente decisão como parâmetro para dúvidas relacionadas à casos idênticos que possam surgir perante a serventia.
P.R.I. Oportunamente, arquivem-se com as devidas baixas.
Documento assinado eletronicamente por ROQUE LOPEDOTE, JUIZ DE DIREITO DE ENTRÂNCIA FINAL, em 29/06/2020, às 15:26, conforme art. 1º, III, “b”, da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site http://sei. tjsc.jus.br/verificacao informando o código verificador 4744965 e o código CRC 0B8719B8.