CARTA DE ADJUDICAÇÃO – PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE – NECESSÁRIO REGISTRAR O TÍTULO AQUISITIVO DO EXECUTADO

DECISÃO

Vistos.

Trata-se de procedimento de dúvida registral apresentado pelo Oficial do Registro de Imóveis de Xaxim, referente a carta de adjudicação apresentada pelo Espólio de Valdecir Liston.

Narrou, em síntese, que no dia 14-8-2020 foi dada entrada na Serventia Imobiliária de Xaxim uma carta de adjudicação expedida pelo Juízo da Vara do Trabalho de Xanxerê/SC, referente à fração ideal de 14.586,66m² do imóvel de matrícula n. 7.777/AV-3, em favor do exequente Espólio de Valdecir Liston.

Argumentou que o título não é hábil ao registro tendo em vista que o executado na referida ação trabalhista é Fernando Lunardi Silveira e que a proprietária do imóvel é sua genitora Alda Julieta Lunardi Silveira, falecida (AV-7). Todavia, explicou que não existe inventário ou registro de formal de partilha decorrente do óbito, o que torna inviável a transmissão do imóvel conforme determinado na ação trabalhista. Diante de tal situação relatada, o Oficial Registrador afirmou ser necessária a instauração de inventário para, assim, tornar o título hábil ao registro.

Informado da recusa do Oficial Registrador, o Juízo de Xanxerê argumentou que aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, de forma que não há óbice à penhora e alienação da fração cabível ao herdeiro, vez que é titular do domínio da aludida parte, não se podendo prejudicar terceiros credores. Não bastasse, os demais titulares dos direitos hereditários sobre o imóvel alienado foram intimados da pretensa adjudicação, quedando-se silentes.

O Ministério Público manifestou-se pela procedência da suscitação de dúvida.

É o relatório. Decido.

A suscitação de dúvida é a via administrativa cabível para dirimir controvérsia acerca da atividade dos Registros Públicos, consoante arts. 198 a 204 (imóveis) da Lei 6.015/1973.

In casu, conforme as informações repassadas pelo Oficial Registrador, o Juízo da Vara do Trabalho de Xanxerê, nos autos n. 0000759- 11.2012.8.12.0025, determinou a expedição de carta de adjudicação referente a fração ideal de 14.586,66m² do imóvel de matrícula n. 7.777, em favor do exequente Espólio de Valdecir Liston em face do executado Fernando Silveira.

Compulsando os autos, foi verificado que o imóvel indicado na carta de adjudicação é de propriedade da falecida mãe do executado Fernando Silveira, senhora Alda Julieta Lunardi Silveira.

Ocorre que, muito embora Fernando seja comprovadamente um dos herdeiros do referido imóvel, ainda não fora realizado o inventário e partilha dos bens da mãe do executado.

E nesse ponto, com razão o Ministério Público ao mencionar que, mesmo que a posse e propriedade da herança sejam transmitidas com a abertura da sucessão, que ocorre com o falecimento, o imóvel somente é transferido aos herdeiros com o fim do inventário e expedição do formal de partilha, quando, então, ficará definido o quinhão que cabe a cada herdeiro.

Antes disso, o direito do herdeiro é indivisível sendo inviável a adjudicação, até mesmo porque a transferência, conforme requerido, poderia servir como meio de burlar direitos de herdeiros preteridos e de outros credores do executado, além de implicar em desrespeito às normas tributárias referentes à transmissão de bens.

Sobre o assunto já decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DA PARTE AUTORA. IMÓVEL REGISTRADO EM NOME DE PESSOA FALECIDA, E ALIENADO POR INTERMÉDIO DE SUA INVENTARIANTE E DO COPROPRIETÁRIO. QUITAÇÃO DO PREÇO E NEGATIVA NA TRANSFERÊNCIA. INACOLHIMENTO. REPRESENTANTE DO ESPÓLIO QUE NÃO DETINHA ANUÊNCIA EXPRESSA DOS DEMAIS HERDEIROS (13) PARA A VENDA DO BEM, NEM TAMPOUCO AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. INOBSERVÂNCIA AO ART. 992, I, DO CPC/1973, VIGENTE A ÉPOCA. NECESSIDADE DE REGULARIZAÇÃO DO IMÓVEL NO PROCESSO DE INVENTÁRIO, INCLUSIVE EM OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRAL. SENTENÇA MANTIDA. “A tutela de adjudicação compulsória de imóvel ainda em nome de pessoa falecida, alienado pelos herdeiros, não dispensa a prévia regularização do domínio em nome destes, por meio de inventário, haja vista a necessidade de se resguardar direito de terceiros e a continuidade registral. Enquanto não regularizada a transmissão aos herdeiros, a cessão de direitos ou a promessa de compra e venda firmada por estes não é título hábil a embasar pretensão de adjudicação” (TJSC, Apelação n. 0002801-42.2011.8.24.0006, de Barra Velha, rel. Des. Stanley da Silva Braga, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 12-05-2016). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (Apelação Cível n. 0001343-79.2010.8.24.0020, de Criciúma, rel. Des. Haidée Denise Grin, j. 1º-8-2019).

Assim, diante de tal situação, torna-se fundamental a observância ao princípio da continuidade registral, segundo o qual é imprescindível a inexistência de quebra no encadeamento dos assentos imobiliários, restando possível a transmissão do bem apenas por aquele que for titular do domínio no Registro de Imóveis.

E, sobre o assunto, a Lei n. 6.015/73 dispõe em seus artigos 195 e 237 que:

“Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro. ”

Diante disso, entendo que razão assiste o Oficial do Registro de Imóveis de Xaxim/SC, diante da impossibilidade de registro nos moldes pretendidos, sendo o caso de procedência da suscitação de dúvida.

Dispositivo.

ANTE O EXPOSTO, julgo PROCEDENTE a Suscitação de Dúvida, determinando que o Registrador se abstenha de fazer o registro requerido enquanto não cumpridas todas as exigências necessárias.

Sem custas processuais e honorários advocatícios, por se tratar de jurisdição administrativa.

Após o trânsito em julgado, cumpra-se o artigo 203, I, da Lei n. 6015/73.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Xaxim (SC), 1° de março de 2021.

Vanessa Bonetti Haupenthal

Juíza de Direito