CÉDULA DE CRÉDITO RURAL – LIBERAÇÃO DE TODAS AS GARANTIAS – NECESSÁRIO PRÉVIO ADITAMENTO PARA CONVERTER A CÉDULA EM NOTA DE CRÉDITO RURAL
SENTENÇA
I – RELATÓRIO:
Trata-se de suscitação de dúvidas manejada pela Oficiala do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Urussanga/SC, Sra. Elisa Linck solicitando informações de como agir, tendo em vista a impugnação da parte interessada Ademir Jácomo Bez Batti, quanto ao pedido de averbação do cancelamento de cédula e da hipoteca cedular, protocolado sob o nº. 113.891, relativo ao imóvel de matrícula nº. 14.478 sem a alteração do título de crédito, a qual teria a Registradora negado seu registro, ao argumento de que a carta de liberação apresentada pela parte interessada não autoriza os cancelamentos dos registros das cédulas no Livro 3, sob o nº. 2.319, 2.320 e 3.026, autorizando apenas o cancelamento dos ônus hipotecários, o que foi feito em relação aos registros nºs. 2.320 e 3.026, uma vez que conforme informou a Registradora sobre tais registros permanecem as garantias reais de alienação fiduciária das máquinas e/ou equipamentos.
Contudo, obstante, o requerimento tenha sido instruído com a carta de liberação do Banco concedente, em relação ao registro nº. 2.319, tendo havido apenas a liberação da hipoteca (sem quitação total), exigiu-se que o título de crédito fosse aditado pelas partes, transformando a cédula de crédito em nota de crédito, isto porque, a única garantia real da cédula é a hipoteca da matrícula nº. 14.478.
Alegou, por fim a Registrada, que tal medida é necessária, pois o cancelamento total das garantias reais, sem o cancelamento da cédula, implica na alteração da natureza do título de cédula de crédito (título de crédito com garantia real) para nota de crédito (título de crédito sem garantia real).
Embasou a Registradora seu entendimento no Decreto-Lei 413/69, aduzindo que os arts. 12, 36 e 62 da citada norma reforçam a impossibilidade de cancelamento de todas as garantias reais sem a respectiva alteração dotítulo de crédito, conforme indicado.
Por sua vez, a parta interessada, impugnou a alegação da Registradora e sua negativa em proceder na averbação como solicitado, ao argumento de que a exigência feita pela Registradora implica na novação do negócio jurídico em questão, o que seria inviável para o credor e devedor.
Alega, que a liberação da garantia que compôs legalmente a formação da cédula de crédito é apenas uma mera liberalidade da credora mediante o devido pagamento da contrapartida, o que não altera a natureza e origem do negócio jurídico.
Por fim, argumenta que o credor hipotecário dos gravames não se opõe a baixa dos mesmos, pois se trata de direito real de garantia, que assegura ao credor hipotecário a preferência da satisfação do seu crédito naquele patrimônio.
Juntou a parte interessada vários documentos (Procuração/ substabelecimento; nota de devolução, certidão simplificada, ata de reunião ordinária e estatuto social do BADESC e e-mails).
Os autos foram encaminhados ao Ministério Público por duas vezes, tendo o órgão ministerial se mantido inerte.
Vieram os autos conclusos.
Decido.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A presente demanda consiste em verificar a legalidade da Registradora quanto à possibilidade de averbação do pedido de cancelamento dos registro da hipoteca com relação ao registro 2.319 transcrito no imóvel da matrícula nº. 14.478 sem a alteração do título de crédito para nota de crédito.
Conforme se infere da presente suscitação de dúvida, a parte interessada Ademir Jácomo Bez Batti pleiteou perante o Cartório de Registro de Imóveis de Urussanga, o cancelamento dos gravames hipotecários nº. 2.319, 2.320 e 3.026 da matrícula nº. 14.478.
Após, vários pedidos e notas de devolução foi autorizado a averbação de cancelamento dos ônus hipotecários em relação aos registros 2.320 e 3.026, pois sobre tais registros permanecem as garantias reais, contudo, não autorizou o cancelamento da garantia hipotecária nº. 2.319, uma vez que, em seu entendimento na cédula de crédito em questão não permanece nenhuma garantia real, pois a existência de cédula de crédito sem garantia real contraia a própria natureza do título.
Em suma, a celeuma jurídica em questão é analisar se hipoteca constante na cédula de crédito nº. 948217-00-7 registrado no Livro 3 sob o nº. 2.319 referente à matrícula do imóvel nº. 14.478 pode ser cancelada, uma vez que conforme entendimento da Registradora não permaneceu nenhuma garantia real no referido título.
Em primeiro momento, analisando os documentos juntados aos autos, infere-se que a própria credora (BADESC) concordou com a liberação dos gravames hipotecários impostos ao imóvel de matrícula nº. 14.478, conforme se extrai dos e-mails da consultoria jurídica da agência bancária em questão (págs. 01/11 – Informação Impugnada – Parte 7), bem como com o pedido e carta de anuência do BADESC (págs. 01/03 – Informação Impugnada – Parte 8), tendo inclusive, fundamentado pelo procurador do Banco credor que não houve o cancelamento total das garantias totais da cédula, aduzindo que foram dadas como garantia evolutiva em hipoteca os próprios bens adquiridos com o valor do empréstimo.
Ocorre, que analisando a cédula de crédito nº. 948217-00-7 a que se refere o registro 2.319 constante na matrícula do imóvel nº. 14.478, como garantia evolutiva (GE) se fez constar que “ficarão incorporados à hipoteca ora constituída, os investimentos descritos no Anexo único desta Cédula e assinalados com a codificação (GE)”.
Ao analisar no anexo único da presente cédula de crédito, conforme anexado abaixo, entendo que realmente há dúvida de quais bens estão assinalados com a codificação (GE), conforme indicado acima, pois apesar de constar no rodapé da cédula a informação de “Legenda (GE) Garantias Evolutiva”, não há tal anotação em nenhum bem/ máquina constante na lista que se revestiria de tal qualidade, ou seja, que bem ou equipamento ficaria em garantia evolutiva.
Conforme se extrai do art. 9º do Decreto-Lei 413/69, “a cédula de crédito industrial e promessa de pagamento em dinheiro, com garantia real, cedularmente constituída”, ou seja, para ser reconhecida como cédula de crédito deve-se ter a garantia real, contudo, o cancelamento da hipoteca pleiteada nos moldes indicados pelos interessados, com o cancelamento da hipoteca sobre o imóvel de matrícula nº. 14.478 (Um apartamento localizado no 6º pavimento do edifício MIRAMONTE, situado na cidade de Urussanga, à Rua de 26 de Maio, nº. 87, com área privativa de 243,76 m², área de uso comum, incluindo box garagem no 09 e 10 com 95,00 m², totalizando a área total de 338,84 m², tendo no terreno uma fração ideal de 222,837 m², que corresponde a 12,50%. O referido terreno tem uma área total de 1.782,79 m², e constitui os lotes nos. 49,50, 51 e 52 do Loteamento Marcos Costa), descaracterizaria o próprio título de crédito, pois no mundo jurídico como se coadunar uma cédula de crédito sem a garantia real, que neste caso seria o imóvel de matrícula 14.478 que se deseja cancelar a hipoteca.
Por sua vez, conforme se infere da referida cédula de crédito constou que os investimentos (Máquinas e equipamentos nacionais) adquiridos por meio do empréstimo que gerou a respectiva cédula de crédito estariam alocados no imóvel de matrícula nº. 13.073 (provavelmente a sede da empresa) e não na matrícula do imóvel hipotecado (matrícula 14.478).
Assim, o cancelamento do registro R02, relativo a hipoteca do imóvel matriculado sob o nº 14.478 da cédula de crédito nº. 948217-00-7 sem a permanência de garantia real no referido título não é possível, uma vez que nos termos do art. 9º, do Decreto-Lei 413/69 a cédula de crédito industrial necessita de garantia real, sendo que a retirada de tal garantia descaracterizaria a natureza do próprio título.
No entanto, conforme indicado pela Registradora, uma solução seria a transformação da cédula de crédito para nota de crédito nos moldes do Decreto-Lei nº. 413/69 mediante termo aditivo.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido da parte interessada nos termos do art. 487, I do CPC e RESOLVO a dúvida manejada, para reconhecer a legalidade do ato praticado pela titular do Cartório de Registro de Imóveis de Urussanga, consistente na negativa de averbação do cancelamento de cédula e hipoteca cedular sob a matrícula do imóvel de nº. 14.478, em relação ao registro nº. 2.319 (R02), entendendo neste momento ser impossível a averbação da carta de liberação com o consequente cancelamento da hipoteca existente sobre o imóvel citado, no que tange à cédula de crédito nº. 948217-00-7, uma vez que não permanecerá nenhuma garantia real sobre o citado título.
Sem custas, conforme parecer emitido nos autos de nº. 0018492- 40.2019.8.24.0710, o Conselho da Magistratura deliberou pela não incidência de custas processuais nos autos de Suscitação de Dúvida, pois se trata de procedimento administrativo, não havendo previsão na legislação estadual para sua cobrança.
Serve a presente decisão de paradigma para os casos pendentes análogos.
Publique-se. Registre-se e Intimem-se.
Transitado em julgado, arquive-se.
Roque Lopedote
Juiz de Direito
Documento assinado eletronicamente por ROQUE LOPEDOTE, JUIZ DE DIREITO DE ENTRÂNCIA FINAL, em 29/06/2020, às 15:32, conforme art. 1º, III, “b”, da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site http://sei. tjsc.jus.br/verificacao informando o código verificador 4738935 e o código CRC 3A67A131.