CISÃO PARCIAL – VALOR VENAL INDIVIDUALIZADO DOS IMÓVEIS – ITBI – CNDs – CCIR/CAR/ITR – DÚVIDA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE
DECISÃO
I – RELATÓRIO:
Trata-se de suscitação de dúvida manejada pela Oficiala do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Anita Garibaldi, relatando que em 11/02/2021 foi protocolado requerimento para averbação da redução de capital social da Companhia Valesul Alumínios S.A, para a Empresa Vale S.A, em todas as matrículas dos imóveis do empreendimento Usina Hidrelétrica Machadinho registradas naquela serventia.
Relata que o pedido envolve 199 matrículas de imóveis, e que o pedido foi devolvido à parte, diante de algumas exigências necessárias ao prosseguimento do ato.
Todavia, em resposta, a empresa insurgiu-se contra as exigências, motivo pelo qual apresentou a presente suscitação de dúvida.
Inicialmente, os autos foram encaminhados ao Ministério Público que se manifestou pela procedência parcial dos pedidos.
É a síntese do necessário.
II – FUNDAMENTAÇÃO:
Adoto como razões de decidir o judicioso parecer da lavra do Dr. Promotor de Justiça, Dr. Vinícius Silva Peixoto (5499522), in verbis: “Compulsando os autos, verifica-se que ocorreu a redução de capital social da empresa Valesul Alumínio S.A. para a empresa Vale S.A., tratando-se de uma cisão parcial entre pessoas jurídicas de direito privado, o que demonstra que o patrimônio de uma foi incorporado ao da outra. Nesses termos, passa-se a análise individual das exigências realizadas pela Oficiala Registradora do 1º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Anita Garibaldi/SC:
1ª – Da apresentação de declaração do valor venal do percentual da Valesul Alumínio S.A. em cada uma das 199 matrículas em que é coproprietária
Inicialmente, as alegações da Vale de que as terras não integram o comércio e deixam de ter valor por serem um reservatório apresentam grave contradição lógica. A cisão é um negócio jurídico em que parte do patrimônio de uma empresa é transmitido a outra, e, como visto, o Registro de Imóveis foi procurado justamente por conta de uma cisão entre Valesul e Vale. Caso tais imóveis estivessem de fato “fora do comércio”, como alega a empresa, não poderiam ter sido envolvidos nessa cisão. Em outras palavras, a empresa adquiriu os 199 imóveis em um negócio jurídico e agora alega que eles não podem ser objeto de um negócio jurídico, o que é um total contrassenso.
Não é porque tais terras são improdutivas para o fim ao qual normalmente são destinadas (agricultura, pecuária, etc) que automaticamente deixam de ter preço de mercado, principalmente se são indispensáveis para a capacidade produtiva de uma usina hidrelétrica. Se as terras “não tivessem valor”, evidentemente o reservatório da usina hidrelétrica também não teria valor, que é dado pela soma de tudo que o compõe. Da mesma forma que as terras em que foram erigidas outros tipos de usinas de eletricidade não deixam de ter valor, também as terras utilizadas por uma usina hidrelétrica continuam produtivas, disponíveis e dentro do comércio, caso contrário não teriam sido objeto de um negócio jurídico avaliado em cerca de 60 milhões de reais (página 28, item 6.2).
Correta, portanto, a exigência de apresentação de declaração do valor venal do percentual da Valesul Alumínio S.A. em cada uma das 199 matrículas em que é coproprietária, uma vez que o ato de cisão possui conteúdo econômico, sendo necessário o valor da fração ideal dos imóveis.
2ª – Da taxa do Fundo de Reaparelhamento do Judiciário
Sobre o Fundo de Aparelhamento do Judiciário, correto o posicionamento da suscitante, uma vez que, pressupondo a existência do valor venal, conforme item anterior, a oficiala calculará a incidência da taxa.
A Lei Estadual 8.067/1990 em seu artigo 3º-A dispõe:
Art. 3º-A. O Fundo de Reaparelhamento da Justiça (FRJ) integra o sistema de controle e fiscalização dos atos e serviços notariais e de registro e é constituído de recursos oriundos de cálculo incidente à razão de 0,3% (zero vírgula três por cento) do valor do ato ou serviço, até o limite de 50% (cinquenta por cento) do valor máximo previsto nas tabelas do regimento de emolumentos. […] § 2º O recolhimento devido ao FRJ dar-se-á apenas 1 (uma) vez nos atos notariais e de registro de valor superior a R$ 21.960,00 (vinte e um mil e novecentos e sessenta reais).
Referido valor foi atualizado pela Res. 10/2020-CM para R$ 22.095,99, com vigência para o ano de 2021.
Portanto, com a juntada da declaração do valor venal, a oficiala realizará a averiguação sobre a cobrança ou não da taxa junto ao Fundo de Reaparelhamento do Judiciário (R$ 22.096,00).
3ª – Da apresentação da certidão simplificada expedida pela Junta Comercial com menos de trinta dias de sua expedição, nos termos do artigo 483 do Código de Normas da CGJ/SC
Nesse caso, razão assiste ao suscitado, uma vez que a norma apontada pela oficiala no Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça de Santa Catarina não fixa prazo de validade para o documento, falando apenas que se existir fundada dúvida sobre a atualidade das informações o documento poderá ser solicitado ao interessado.
Além do mais, o documento é datado de 12 de novembro de 2020, contando com menos de seis meses de expedição.
4ª – Da apresentação de guia de ITBI recolhida ou declaração dos Municípios de Celso Ramos e Anita Garibaldi referente a imunidade ou isenção, haja vista que o ato de cisão envolve transferência de patrimônio
No caso, de fato não incide ITBI. Todavia, o que está sendo exigido é a declaração de imunidade, e não o pagamento do imposto. Assim, deve o suscitado apresentar declaração dos órgãos responsáveis de que é, de fato, imune – o que não se confunde com o pagamento do tributo. 5º – Da apresentação de certidão negativa de débitos federais, municipais e trabalhistas da Valesul Alumínios S.A, ou ainda, declaração da empresa Vale S.A, constando expressamente a dispensa de apresentação das certidões negativas referidas, assumindo a inteira responsabilidade sobre tal.
Neste ponto, apesar da inconstitucionalidade do artigo 1º, inciso IV, da Lei n. 7.711/88, a Corregedoria Geral de Justiça de Santa Catarina, visando assentar divergência existente com o Código de Normas, utilizou-se de interpretação corretiva, exigindo a apresentação das certidões negativas de débitos. Entretanto, quando não for apresentada, o adquirente deverá expressamente dispensá-la – assumindo, assim, os débitos porventura existentes. Assim, correta a exigência feita pela Oficiala.
6ª – Da apresentação da certidão negativa de débitos do ITR/NIRF dos imóveis ou comprovante de pagamento dos últimos cinco anos as matrículas em que a Valesul Alumínios S.A. é coproprietária não constam se as áreas desapropriadas foram utilizadas para formação de reservatório artificial ou se são áreas de preservação permanente, como mencionado pela Oficiala.
Assim, o suscitado pode até estar dispensado do pagamento de ITR, mas obrigatória a apresentação do documento de informação e apuração do ITR – DIAT para verificação das informações a serem prestadas. No caso, novamente não se exige o pagamento do imposto, mas sim a certidão de que está isento de débitos.
7ª – Da apresentação de Certificado de Cadastro de Imóvel Rural quitado do último exercício dos imóveis Seguindo a mesma lógica da exigência acima, uma vez não demonstrado quais imóveis integram áreas utilizadas para formação de reservatório artificial e quais são áreas de preservação permanente, necessária apresentação da respectiva certidão de isenção.
8ª – Da apresentação do Cadastro Ambiental Rural da área total das matrículas ou das áreas remanescentes em cada uma das matrículas, ou ainda, não sendo exigível a declaração de enquadramento da área na hipótese do art. 12, § 7º, da Lei nº 12.651/2012
Empreendimentos hidrelétricos, de fato, não se submetem a tal exigência, nos termos do artigo 12, § 7º, da Lei nº 12.651/2012, que prevê:
Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei: (…) § 7º Não será exigido Reserva Legal relativa às áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações ou sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica. § 8º Não será exigido Reserva Legal relativa às áreas adquiridas ou desapropriadas com o objetivo de implantação e ampliação de capacidade de rodovias e ferrovias. Entretanto, é justamente para comprovar essa exceção que a Oficiala do 1º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Anita Garibaldi/ SC exigiu uma simples declaração de enquadramento.
9ª – Do pagamento de emolumentos
O registro de imóveis calculará o real valor dos emolumentos com a apresentação de declaração do valor venal do percentual da Valesul Alumínio de cada uma das 199 matrículas em que é coproprietária. O artigo 14, da Lei nº 6015/1973 dispõe:
Art. 14. Pelos atos que praticarem, em decorrência desta Lei, os Oficiais do Registro terão direito, a título de remuneração, aos emolumentos fixados nos Regimentos de Custas do Distrito Federal, dos Estados e dos Territórios, os quais serão pagos, pelo interessado que os requerer, no ato de requerimento ou no da apresentação do título. Parágrafo único. O valor correspondente às custas de escrituras, certidões, buscas, averbações, registros de qualquer natureza, emolumentos e despesas legais constará, obrigatoriamente, do próprio documento, independentemente da expedição do recibo, quando solicitado.
Já a Lei Complementar nº 755/2019, que trata dos emolumentos no Estado de Santa Catarina, traz em seu artigo 11:
Art. 11. Pelos atos que praticarem, os delegatários receberão diretamente das partes, a título de remuneração, os emolumentos fixados na forma desta Lei Complementar. § 1º A forma de recolhimento dos emolumentos será regulamentada por ato do Conselho da Magistratura, que poderá autorizar o repasse ao contribuinte de custos e encargos incidentes em sua cobrança. § 2º Os emolumentos poderão ser pagos, a critério do usuário, por meio de cartão de débito, cuja aceitação será obrigatória pelas serventias extrajudiciais.
Como já amplamente demonstrado, os imóveis possuem sim valor venal, que nada mais é que o valor que eles alcançariam em compra e venda à vista, segundo as condições usuais do mercado . A própria palavra venal remonta ao latim venum . Toda a argumentação do suscitado de que tais imóveis não teriam valor venal foi contrariada pelo simples fato de que foram vendidos, mesmo que em complexa operação societária. Assim, comprovado que o ato de cisão envolvendo a Valesul Alumínio S.A e a Vale S.A. possui conteúdo econômico, nada mais acertado que haja a devida remuneração
III – DISPOSITIVO:
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido da parte interessada nos termos do art. 487, I do CPC e RESOLVO a dúvida manejada, para reconhecer que a Oficiala do 1º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Anita Garibaldi possa exigir os itens 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, estando correto o suscitado somente em relação ao item 3.
Sem custas, conforme parecer emitido nos autos de nº. 0018492- 40.2019.8.24.0710, o Conselho da Magistratura deliberou pela não incidência de custas processuais nos autos de Suscitação de Dúvida, pois se trata de procedimento administrativo, não havendo previsão na legislação estadual para sua cobrança.
Publique-se. Registre-se e Intimem-se.
Transitado em julgado, arquive-se.
Documento assinado eletronicamente por ANDDRE UDYLLO GAMAL DE DINIZ MESQUITA, DIRETOR DO FORO, em 31/05/2021, às 17:27, conforme art. 1º, III, “b”, da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site http://sei. tjsc.jus.br/verificacao informando o código verificador 5563782 e o código CRC D83B3F77. 0010282-29.2021.8.24.0710 5563782v9