COMPRA E VENDA – ESPECIALIDADE OBJETIVA – ALIENAÇÕES SUCESSIVAS SEM APURAÇÃO DO REMANESCENTE – NECESSÁRIO RETIFICAR O IMÓVEL – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE
DECISÃO
Trata-se de suscitação de dúvida apresentada pelo Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Biguaçu a pedido de MARILENE MARIA FERREIRA, a qual não concordou com as exigências feitas pelo Oficial Registrador, consistente na retificação do Registro do Imóvel de matrícula n. 8.178 como requisito para registro de escritura pública de compra e venda de uma fração ideal do imóvel.
O Oficial de Registro defendeu a necessidade de retificação em razão da matrícula já ter sofrido desmembramentos e transferências parciais de áreas, deixando a área remanescente do imóvel pendente de especialização.
Juntou documentos.
A interessada manifestou-se, em síntese defendendo a impertinência da negativa O Ministério Público manifestou-se pela rejeição do pleito da parte interessada. Vieram-me os autos conclusos.
Decido.
O ponto controvertido nos autos cinge-se basicamente à necessidade, ou não, de prévia retificação da matrícula do imóvel n. 8.178 para registro da escritura pública de compra e venda apresentada pela interessada Marilene Maria Ferreira.
Nesse ponto, impende consignar a compra e venda, para ser registrada, deve, além de não possuir cláusula de arrependimento, observar os requisitos contidos no artigo 482 do Código Civil, ou seja, objeto, preço e consentimento, tudo sob pena de nulidade ou até mesmo inexistência do contrato.
Ora, evidente que a exigência apresentada pelo Oficial, consistente na necessidade de retificação da matrícula para que essa passe a espelhar a metragem remanescente, deve ser mantida, uma vez que diz respeito ao “objeto” do contrato, vide art. 482 do Código Civil.
Ademais, de acordo com o princípio da especialidade objetiva, sabe-se que a descrição do imóvel compreende a sua individualização, ou seja, todo imóvel deve possuir descrição suficientemente detalhada a ponto de diferenciá-lo de qualquer outro, para que não haja registro sobreposto na mesma matrícula, de modo que em havendo transferência de parte da área original, esse não possuirá mais sua extensão total, restando alteradas, inclusive, suas confrontações. Dessa forma, a descrição inicial do imóvel deixa de existir, por isso, evidente a necessidade de retificação prévia do imóvel para que, somente então, seja realizado o registro da nova venda.
Por sua vez, o art. 213, inciso II, da Lei n. 6.015/73, dispões que “o oficial retificará o registro ou a averbação […] a requerimento do interessado, no caso de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área, instruído com planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no competente Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA, bem assim pelos confrontantes”.
Quando o dispositivo supracitado utiliza a expressão “a requerimento do interessado”, apenas visa estabelecer que a retificação não deverá ser feita de ofício, mas sim a requerimento da parte interessada.
O inciso II em momento algum intenciona disciplinar que a parte interessada pode optar por registrar a compra e venda sem a prévia retificação do imóvel.
Sobre o tema, ensina Luiz Guilherme Loureiro:
O imóvel objeto do contrato deve ser devidamente individualizado. Não poderá ser registrada escritura de compra e venda objeto de transcrição antiga e lacunosa, uma vez que se torna inviável a sua exata localização geográfica. Em tal hipótese, será necessária a prévia retificação do registro. A precária descrição do imóvel impede a realização do registro pela impossibilidade de perfeita localização e situação do bem (Ap. Civ. 739- 6/4). A prévia retificação registraria é providência indispensável em atenção à segurança jurídica do sistema registral. (Luiz Guilherme Loureiro. Registros públicos: teoria e prática. 10 ed. Juspodivm. 2019. pág 830).
Logo, considerando que a atual situação do imóvel (localização, confrontações e a própria área real), em decorrência do desmembramento e transferências, não espelha a realidade, imperioso que, antes de proceder o registro do contrato e/ou de qualquer outro título voltado a transferência do imóvel, se proceda à retificação do registro.
Por fim, saliento que a existência de eventuais registros ou averbações anteriores que tenham sido efetivados sem prévia retificação não autoriza que assim se proceda em todos os registros que se seguirem.
À vista do exposto, com lastro nos artigos 198 e 203, ambos da Lei 6.015/73, JULGO PROCEDENTE a suscitação de dúvida apresentada para MANTER as exigências apresentadas pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Biguaçu para registro da escritura de compra e venda na matrícula n. 8.178, apresentada pela interessada Marilene Maria Ferreira.
Intimem-se. Após, arquive-se.
Documento assinado eletronicamente por CESAR AUGUSTO VIVAN, JUIZ DE DIREITO DE ENTRÂNCIA FINAL, em 13/04/2021, às 18:06, conforme art. 1º, III, “b”, da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site informando o código verificador 5467171 e o código CRC 11A90A5F. 0047501-13.2020.8.24.07105467171v3