DISTRATO SOCIAL – TRANSFERÊNCIA DE BENS – ESCRITURA PÚBLICA
DECISÃO
I – RELATÓRIO:
Trata-se de suscitação de dúvidas manejada pela Oficiala do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Urussanga/SC, solicitando informações de como agir, tendo em vista a impugnação da parte interessada Vinícola Mazon, quanto ao pedido de registro de transferência dos bens imóveis, por meio de instrumento particular de distrato social e de rerratificação de distrato social registrados na Junta Comercial, nos quais os sócios deliberaram pela transferência da Matrícula nº. 15.283 (atualmente matrículas nºs. 37.543, 37.544 e 37.545) registrados no Cartório de Registro de Imóveis de Urussanga para a sócia Agropecuária São Pedro, a qual teria a Registradora negado seu registro, ao argumento de que não é possível a prática de transferência de direito real sobre imóvel de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente de sociedade a sócio por distrato social exigiu instrumento público para a sua validade, com fundamento no artigo 108 do Código Civil.
Inicialmente os autos foram encaminhados ao Ministério Público, que se manifestou pela improcedência do pedido, entendo como correto a negativa da Registradora em efetuar o referido registro, senão por meio de escritura pública.
É a síntese do necessário. I
I – FUNDAMENTAÇÃO:
A presente demanda consiste em verificar a legalidade quanto à possibilidade de registro de transferência dos bens imóveis, por meio de instrumento particular de distrato social e de rerratificação de distrato social registrados na Junta Comercial, uma vez que no entender da Registradora, por se tratar de negócio jurídico (transferência) sobre direitos reais sobre bens imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes do salário mínimo vigente no país, se faz necessário que seja por meio de Instrumento Público nos termos do art. 108 do Código Civil. Conforme se extrai dos autos, a Registradora emitiu nota de devolução quanto à solicitação de registro nos seguintes termos:
(A) INSTRUMENTO PÚBLICO. A escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País, conforme artigo 108 do Código Civil. (Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.), inclusive no caso de transferência por distrato social. Nesse sentido: Processo 1072308-86.2015.8.26.0100 1ª VRPSP: Dissolução de sociedade – distrato social – extinção de pessoa jurídica – transferência de bem imóvel para sócio que implica em transmissão de domínio – necessidade de escritura pública como essência do ato – necessidade de recolhimento de ITBI – indeferimento do pedido.
O imóvel da matrícula 37.544 foi avaliado acima de 30 salários mínimos (R$48.700,00 conforme avaliação fiscal e R$75.000,00 conforme AV.9- 15.283), para o qual se faz necessária a escritura pública. Se for o caso, deve comportar, mediante avaliações expedidas por no mínimo 2 corretores de imóveis, que os imóveis das matrículas (37.543 e 37.545) tem valor não superior a 30 vezes o maior salário mínimo vigente, para dispensa do instrumento público quanto a ambos. (Grifos no original – pg. 44).
Por sua vez, a parte interessada sustenta que há exceção prevista no art. 64 da Lei nº. 8.934/94 e o art. 234 da Lei 6.404/76, o que possibilitaria no seu entendimento o registro do instrumento particular de distrato social e de rerratificação para a transferência de imóveis em favor do sócio.
As mencionadas normas assim prescrevem:
Art. 64 da Lei 8.934/94 – A certidão dos atos de constituição e de alteração de sociedades mercantis, passada pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou aumento do capital social.
Art. 234 da Lei 6.404/76 – A certidão, passada pelo registro do comércio, da incorporação, fusão ou cisão, é documento hábil para a averbação, nos registros públicos competentes, da sucessão, decorrente da operação, em bens, direitos e obrigações. O cerne da questão trata-se na verdade na análise quanto a possibilidade de aplicação do art. 64 da Lei 8.934/94 e do art. 234 da Lei 6.404/76 na hipótese de transferência de bem imóvel (neste caso de dação em pagamento), uma vez que no entender da parte interessada, referidas normas autorizam a transferência de bens e seu ingresso nos registros públicos mediante certidão dos atos constitutivos da companhia, passando pelo registro do comércio em que foram arquivados.
Da análise dos autos, vislumbro que assiste razão a Douta Promotora de Justiça e a Oficiala Registradora, pois em se tratando de transmissão de bem imóvel, é da substância do ato a forma pública (arts. 108 e 134, II, § 6º, todos do Código Civil ), sem o que a alienação não é válida. A Lei 6.404/76, por ser específica para regular a atividade das sociedades anônimas, deve ter sua interpretação feita de forma restritiva. Portanto, as disposições do artigo 234 trata de forma exaustiva das situações em que documento particular, devidamente averbado na sede da companhia, pode constituir direitos nos Registros Públicos, sendo estes casos limitados a “incorporação, fusão e cisão”.
Na hipótese em análise, por se tratar de dissolução de sociedade, a transferência de imóvel por meio da dação em pagamento decorrente só terá seus efeitos de transferência de propriedade por meio de escritura pública, conforme o artigo 108 do Código Civil, sendo que os documentos apresentadas na Serventia só convalidam a posse do imóvel.
Tão pouco, pode-se se subsidiar do contido no art. 64 da Lei 8.935/94, uma vez que referida norma se presta apenas para a transferência de bem de sócio para sociedade, ou seja, para aumento ou formação do capital, e não para redução ou dissolução.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido da parte interessada nos termos do art. 487, I do CPC e RESOLVO a dúvida manejada, para reconhecer a legalidade do ato praticado pela titular do Cartório de Registro de Imóveis de Urussanga, consistente na negativa de registro de transferência dos bens imóveis, por meio de instrumento particular de distrato social e de rerratificação de distrato social registrados na Junta Comercial, nos quais os sócios deliberaram pela transferência da Matrícula nº. 15.283 (atualmente matrículas nºs. 37.543, 37.544 e 37.545) registrados no Cartório de Registro de Imóveis de Urussanga para a sócia Agropecuária São Pedro, uma vez que deverá se dar por meio da Escritura Pública nos termos do art. 108 do Código Civil.
Sem custas, conforme parecer emitido nos autos de nº. 0018492- 40.2019.8.24.0710, o Conselho da Magistratura deliberou pela não incidência de custas processuais nos autos de Suscitação de Dúvida, pois se trata de procedimento administrativo, não havendo previsão na legislação estadual para sua cobrança.
Serve a presente decisão de paradigma para os casos pendentes análogos.
Publique-se. Registre-se e Intimem-se.
Transitado em julgado, arquive-se.
Urussanga, 19 de fevereiro de 2021.
Roque Lopedote
Juiz de Direito
Documento assinado eletronicamente por ROQUE LOPEDOTE, JUIZ DE DIREITO DE ENTRÂNCIA FINAL, em 26/02/2021, às 11:06, conforme art. 1º, III, “b”, da Lei 11.419/2006.