DÚVIDA INVERSA – USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL – POSSE FUNDADA EM USUFRUTO – MERA DETENÇÃO – BEM PÚBLICO – POSSE SEM ÂNIMO DE DONO – DÚVIDA IMPROCEDENTE
DECISÃO
Cuida-se de SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA INVERSA apresentada por SALESIO SCHOCHESKI, devidamente qualificado nos autos, em face ao indeferimento do reconhecimento da Usucapião Extrajudicial sobre o imóvel matriculado sob o nº 46.018, pela Oficial Registradora do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Criciúma, Senhora MARIA DO CARMO DE TOLEDO AFONSO.
Em manifestação o representante do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA manifestou-se pelo acolhimento da dúvida, para declarar o não atendimento dos requisitos legais pertinentes à aquisição da propriedade imobiliária por meio do instituto da usucapião extrajudicial extraordinária, almejada pelo suscitante SALESIO SCHOCHESKI.
Juntada de ofício encaminhando pelo Município de Criciúma ao Registro de Imóveis no tocante ao interesse na área usucapienda, uma vez que parte do imóvel sobrepõe a Rodovia Leonardo Bialeck.
Manifestação apenas do Ministério Público.
Vieram conclusos.
Decido.
Sem razão o suscitante.
É sabido que a usucapião é modo originário de aquisição da propriedade, decorrente do exercício de posse mansa, pacífica e ininterrupta durante um período previsto em lei. Segundo a doutrina:
Na esteira da melhor doutrina, a usucapião – grafada pelo CC/2002 no feminino -, constitui uma situação de aquisição do domínio, ou mesmo de outro direito real (caso do usufruto ou da servidão), pela posse prolongada. Assim, permite a lei que uma determinada situação de fato alongada por certo intervalo de tempo se transforme em uma situação jurídica (a aquisição originária da propriedade). A usucapião garante a estabilidade da propriedade, fixando um prazo, além do qual não se podem mais levantar dúvidas a respeito de ausência ou vícios do título de posse. De certo modo, a função social da propriedade acaba sendo atendida por meio da usucapião.
Pois bem, a posse ad usucapionem ou usucapível, apresenta características próprias que devem ser estudadas. Antes de expor tais qualidades, insta verificar que os atos de mera tolerância não induzem a essa posse. Por isso, não é possível alegar usucapião na vigência de um contrato em que a posse é transmitida, caso da locação e do comodato, por exemplo. Ademais, a questão da mera tolerância acaba por gerar polêmicas quanto à possibilidade de se usucapir um bem em condomínio, particularmente nos casos envolvendo herdeiros” (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil – Volume Único, 9ª edição. 9. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019). Consta dos autos que se resguardou à genitora do suscitante SALESIO SCHOCHESKI, Srª. Lukrecia Bocianoski Schocheski, o usufruto sobre o imóvel matriculado sob o n. 46.018, tendo o suscitante mera detenção sobre o imóvel.
Por sua vez, a posse direta, como aquela exercida pelo usufrutuário, não gera direito de usucapião.
A posse que conduz à usucapião deve ser exercida por certo tempo com animus domini de forma mansa, pacífica, contínua e ininterruptamente. Sobre o assunto, colhe-se da doutrina de Carlos Roberto Gonçalves: Não tem ânimo de dono o locatário, o comodatário, o arrendatário e todos aqueles que exercem posse direta sobre a coisa, sabendo que não lhe pertence e com reconhecimento do direito dominial de outrem, obrigando-se a devolvê-la (Direito civil brasileiro. 4. ed. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 259).
Da mesma maneira, elucida Silvio de Salvio Venosa:
Há modalidades de posse que não permitem a aquisição. O locatário ou o comodatário, por exemplo, que tem posse imediata, não possui com ânimo de dono. Somente poderá usucapir se houver modificação no ânimo da posse. (Direito civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 5. p. 197).
Ainda, transcreve-se a lição de Tubinambá Miguel Castro do Nascimento:
“A posse com ânimo de senhor é a única que leva ao usucapião pleno. Tem que se identificá-la, melhormente. É aquela, objetivamente, que afasta qualquer reconhecimento de domínio alheio e, para a coletividade, tida e mantida como emanação da propriedade do possuidor. O primeiro elemento é fundamental. Incompatíveis o animus domini e o reconhecimento de domínio alheio. Jamais, exemplificativamente, o comodatário usucapirá o imóvel que tem em comodato porque, reconhecendo a propriedade do comodante, não tem a posse com ânimo de senhor. A mesma coisa ocorre com o locatário, o usufrutuário, o enfiteuta, etc. Ser tido como proprietário por todos também é essencial, porque caracteriza a situação de mansuetude e pacificidade.” (Usucapião. 6. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1992. p. 89)
Não fosse só, parte do imóvel como salientado pelo Município de Criciúma sobrepõe a Rodovia Leonardo Bialeck, não havendo como usucapir área pública (art. 183, §3º da CF/1988 e art. 102 do CC). Sobre o assunto, já decidiu o egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, verbis:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. PRESSUPOSTOS DO ART. 1.238, DO CÓDIGO CIVIL. POSSE MANSA, PACÍFICA E ININTERRUPTA POR MAIS DE 10 ANOS. ANIMUS DOMINI. MORADIA HABITUAL. IMÓVEL PERTENCENTE AO MUNICÍPIO. IMPOSSIBILIDADE DE USUCAPIR BEM PÚBLICO. JUSTIÇA GRATUITA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. ‘Bem de domínio público é insuscetível de usucapião pelo particular. Para que alguém tenha direito à usucapião de imóvel de propriedade do Município é necessário que comprove posse ‘ad usucapionem’ anterior à aquisição pelo Poder Público.” (Ap. Cível n. 2011.082155-6, rel. Des. Jaime Ramos.)” (TJSC, Apelação Cível n. 2013.008862-6, de São José, rel. Des. Júlio César Knoll, j. 06-11-2014).
Assim, é de se concluir que o suscitante jamais exerceu posse ad usucapionem, porquanto ausentes os pressupostos exigidos, de modo que é inadmissível o reconhecimento do pretendido usucapião extrajudicial.
Isso posto, julgo IMPROCEDENTE o acolhimento da dúvida inversa, para declarar o não atendimento dos requisitos legais pertinentes à aquisição da propriedade imobiliária por meio do instituto da usucapião extrajudicial extraordinária, almejada pelo suscitante SALESIO SCHOCHESKI.
P. R. Intimem-se.
Sem custas.
Decorrido o prazo, arquivem-se.
Documento assinado eletronicamente por SERGIO RENATO DOMINGOS, JUIZ DE DIREITO DE ENTRÂNCIA ESPECIAL, em 09/04/2021, às 11:28, conforme art. 1º, III, “b”, da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site http://sei. tjsc.jus.br/verificacao informando o código verificador 5457183 e o código CRC 68357968.
Secretaria do Foro da Comarca de Criciúma, aos 12 de abril de 2021. Luana Soares Souza, Chefe de Secretaria.