HIPOTECA CEDULAR RURAL – FALTA DE ANUÊNCIA EXPRESSA DO CREDOR HIPOTECÁRIO EM GRAU MENOR – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE

SENTENÇA

Cuido de Suscitação de Dúvida formulada por Juliane Michalski de Quadros, Oficiala Registradora de Imóveis Interina da Comarca de Santa Cecília, questionando acerca possibilidade de registro de constituição em de nova garantia a credor diverso, sem anuência expressa do credor, em imóvel gravado com hipoteca cedular, com efeitos diretos no imóvel registrado sob a matrícula n. 9.359 do referido Registro de Imóveis.

Relatou que, em 28.2.2020, foi solicitado o protocolo para registro da Escritura Pública de Dívida com Garantia Hipotecária, lavrada no Tabelionato de Notas e Protesto da Comarca de Santa Cecília, no mesmo dia, às folhas 089-092 do Livro 109, selo digital de fiscalização FOR22241-7RPR, na qual consta como credor Gabriel Bonet Drissen, e devedor Adriano Luiz Drissen, ora interessado. A Oficiala constato que o ato pretendido é o registro de hipoteca em 8º grau no imóvel da matrícula n. 9.359, para garantir a importância de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), disponibilizados na data de 6.3.2020, e o saldo de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), disponibilizados até a data de 30.6.2020, totalizando R$ 2.050.000,00 (dois milhões e cinquenta mil reais), sendo o imóvel avaliado em R$ 4.750.000,00 (quatro milhões, setecentos e cinquenta mil reais). Contudo, o imóvel já se encontra gravado em favor do Banco Bradesco S.A., sendo que as garantias foram constituídas por Cédulas de Crédito com finalidades rurais, o quê, no entender da suscitante, demanda a anuência do credor hipotecário.

Expedida no de exigência pela Oficiala (expediente – 4683215), o interessado manifestou-se contrariamente por entender ser possível o registro informado sem anuência do credor hipotecário (requerimento – 4683193).

Nesses termos, requereu que seja julgada a dúvida para que se determine a possibilidade ou não do registro de hipoteca na matrícula n. 9.359 sem a anuência do credor hipotecário. Juntou documentos (requerimento – 4683197). Intimado para se manifestar sobre a presente suscitação de dúvida, o interessado insistiu ser desnecessária a anuência do credor hipotecário. Juntou documentos (requerimento 4707225).

O Ministério Público se manifestou por não intervir no feito (parecer – 4828138).

Vieram os autos conclusos.

A suscitação de dúvida é a via administrativa cabível para dirimir controvérsia acerca da atividade dos Registros Públicos, consoante arts. 52, § 2º (nascimento), 115, parágrafo único (constituição de pessoa jurídica), 156, parágrafo único (documento) e 198 a 204 (imóveis) da Lei 6.015/1973.

No caso concreto, adianto, a dúvida é pertinente.

Conforme se infere do requerimento 4683197, de acordo com a Oficiala, há na matrícula de n. 9359 7 (sete) hipotecas cedulares, todas constituídas em favor do Banco Bradesco S.A. Escorou-se no art. 59 do Decreto-Lei n. 167/1967, em jurisprudência e na doutrina.

O interessado, por sua vez, defendeu ser suficiente mera ciência do credor hipotecário. Lançou mão de jurisprudência e de orientação do Colégio Registral do Rio Grande do Sul, a qual foi juntada sob o n. 4707279 e na qual consta o seguinte:

Nas hipotecas ditas comuns – não abrangidas pelas leis especiais que regulam as hipotecas antes referidas -, inclusive nas pactuadas como garantia em cédula de crédito bancário ou em cédula do produto rural, a alienação é livre, devendo o título consignar expressamente a existência da hipoteca, que será mantida e seguirá sequelando o imóvel.

Contudo, o interessado, aparentemente, não se atentou que o referido parecer traz o seguinte trecho:

Quando se trata de hipoteca cedular (cédula de crédito rural, cédula de crédito comercial, cédula de crédito industrial e cédula de crédito à exportação), a anuência do credor é obrigatória em caso de alienação do imóvel, por expressa previsão legal, devendo ser consultadas as leis respectivas.

Ou seja, a hipótese em análise se adequa à segunda citação e não à primeira.

Conquanto a matrícula não tenha sido juntada aos autos, tomando-se por base as informações trazidas pela Oficiala às p. 5/6 do requerimento 4683197, há hipotecas registradas decorrentes de cédula de crédito bancário e cédula rural hipotecária, de modo que não se trata de hipoteca comum. As da primeira espécie, estão regulamentadas pela MP n. 2160-25/01, ao passo que as da segunda espécie estão regulamentadas pelo DL n. 167/67.

Ao tratar das hipotecas cedulares, Cristiano Chaves de Farias leciona:

Foi introduzido no Brasil pelo DL n. 70/66, com emissão por instituição financeira que se dedique ao financiamento imobiliário, incrementado o acesso à “casa própria”.

[…]

Outrossim, ao contrário das hipotecas convencionais, o bem constrito não poderá ser objeto de penhora por dívidas posteriores, e o devedor só poderá dele dispor com consentimento do credor (STJ, AgRg no AgRg no Agr. 1.094.203-SP, 4ª T., Rel. Min. Raul Araújo, Informativo n. 470, 29.4.2011) (FARIAS, Cristiano Chves de. Manual de Direito Civil – Volume Único – 3. ed. rev. atual e ampl. – Salvador: Ed JusPodivm, 2018, p. 1653).

Portanto, é exigível a anuência do credor, e não sua mera ciência.

Do exposto, acolho a dúvida para reconhecer a exigibilidade de anuência do credor hipotecário do imóvel matriculado sob o n. 9.359 para o registro de nova hipoteca em nome de credor diverso.

Condeno o interessado ao pagamento das despesas processuais pendentes, conforme art. 207 da Lei 6.015/1973.

Sem honorários advocatícios, por se tratar de jurisdição administrativa.

Expeça-se ofício à Oficiala Interina do Registro Público, informando-a do inteiro teor desta decisão.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se.

Victor Luiz Ceregato Grachinski

Juiz de Direito