PARCELAMENTO DO SOLO – DESMEMBRAMENTOS SUCESSIVOS – PARECER NEGATIVO DO MINISTÉRIO PÚBLICO OPINANDO PELA OBRIGATORIEDADE DE FORMALIZAÇÃO DE LOTEAMENTO – DESNECESSIDADE – DÚVIDA JULGADA IMPROCEDENTE
DECISÃO
Trato de suscitação de dúvida apresentada pelo Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Presidente Getúlio em relação ao desmembramento de imóvel de propriedade Eick Incorporadora de Imóveis Ltda.
O particular solicitou a divisão de uma área de 5.223,13 m2 do imóvel matriculado sob o n. 4.901 do Cartório de Registro de Imóveis de Presidente Getúlio em 12 parcelas, com área remanescente de 93.304,99 m2.
Diante do parecer do Ministério Público, foi determinada a adequação do processo de desmembramento às disposições legais relativas ao parcelamento urbano e ambiental, com as quais não concordou o interessado.
As razões da discordância constam das p. 114 e seguintes do documento 4831677 e apontam, em síntese, que o pedido de registro de desmembramento atende a todos os requisitos exigidos pela legislação e se utiliza do sistema viário existente oriundo de loteamento limítrofe aprovado pelo ente municipal, que os processos anteriores de parcelamento do solo não podem ser limitadores aos que futuramente sejam realizados e que o aumento demográfico na localidade foi analisado pelo município ao aprovar o projeto, sendo a infraestrutura existente suficiente para suprir os lotes em questão.
Instado, o Ministério Público se manifestou pelo indeferimento da suscitação de dúvida diante da necessidade de formalização de loteamento, haja vista os sucessivos desmembramentos do terreno originário e a extensa área remanescente (4842712).
Decido.
É consabido que o parcelamento de solo urbano, cuja matéria é regida precipuamente pela Lei n. 6.766/1979, é cercado de diversas cautelas para garantir não apenas o adequado zoneamento urbano, mas, também, a higidez do empreendimento a ser executado.
Acerca do parcelamento, dispõe o artigo 2º da referida legislação:
Art. 2o. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.
§ 1o Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.
§ 2o Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.
Dessa forma, o desmembramento se diferencia do loteamento pela desnecessidade de abertura de novas vias e logradouros públicos, aproveitando-se as ruas já existentes e não se exigindo, por exemplo, a implantação de equipamento urbano e comunitário.
Ainda que o particular sustente o cumprimento das exigências legais, necessária a análise dos apontamentos realizados pelo Parquet a fim de se verificar a existência de possível burla à legislação ao se evitar o loteamento do imóvel.
Da documentação apresentada é possível observar que o imóvel originário matriculado sob o n. 13.595 do Cartório de Registro de Imóveis de Ibirama possuía área de 128.909,00 m2 passou a ser matriculado sob o n. 156 do Cartório de Registro de Imóveis de Presidente Getúlio, o qual foi loteado, sendo a área remanescente de 99.709,67 m2 matriculada sob o n. 1.108.
O bem objeto da matrícula n. 1.108, por sua vez, foi desmembrado em duas parcelas, com área remanescente de 98.528.12 m2 registrada sob o n. 4.901, a qual o requerente pretende desmembrar em 12 parcelas, restando área de 93.304,99 m2.
Embora relevante a preocupação do Ministério Público e, sem dúvidas, preferencial à coletividade a imposição dos requisitos legais previstos para o loteamento, a análise do contexto não conduz à conclusão de que o caso se trataria de efetivação de loteamentos clandestinos por via transversa a impor as exigências mais gravosas do loteamento.
Isso porque, conforme ilustra o croqui (4848776) e a imagem extraída por meio do aplicativo Google Maps (4848768), desnecessária a abertura de novas vias de circulação ou de ampliação da estrutura urbana, de forma que não haverá danos concretos ao urbanismo.
Aliado a isso, o Município de Presidente Getúlio declarou que “todas as Ruas que confrontam com o imóvel possuem infraestrutura capaz de receber os lotes provenientes do mesmo, sendo que estas infraestruturas foram implantadas na execução dos loteamentos, primeiramente o Loteamento Daniel aprovado em 22 de dezembro de 2.004, e posteriormente a Rua B do Loteamento Paraíso aprovado em 25 de junho de 2.019, ambos aprovados conforme as legislações vigentes” (sic) e, ainda, que a Rua B possui toda a infraestrutura necessária para a implantação dos lotes, como rede de água tratada, drenagem pluvial, meio fio, pavimentação em asfalto, rede de energia elétrica e iluminação pública.
Portanto, não vislumbro prejuízo ao Poder Público, ao ordenamento urbano e ao meio ambiente ou qualquer requisito legal a exigir a aplicação da normativa existente sobre o loteamento. Sobre o tema, colhe-se o entendimento jurisprudencial:
RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. PARCELAMENTO DO SOLO. RECUSA DO PEDIDO DE REGISTRO DE DESMEMBRAMENTO DE IMÓVEL PELO OFICIAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS DE BARRA VELHA, EM RAZÃO DE MANIFESTAÇÃO NEGATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SENTENÇA PELA IMPROCEDÊNCIA DA DÚVIDA, DECLARANDO A POSSIBILIDADE DO REGISTRO DO DESMEMBRAMENTO. RECURSO MINISTERIAL. INSURGÊNCIA PELA NECESSIDADE DE LOTEAMENTO. SISTEMA VIÁRIO PREEXISTENTE. NECESSIDADE DE ABERTURA DE NOVAS VIAS DE CIRCULAÇÃO OU DE AMPLIAÇÕES OU MODIFICAÇÕES NA INFRAESTRUTURA URBANA NÃO VERIFICADA. OBSERVÂNCIA, PELO INTERESSADO, DOS DITAMES DA LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO. DECISÃO MANTIDA. PREQUESTIONAMENTO. NÃO OBRIGATORIEDADE DE MANIFESTAÇÃO SOBRE TODOS OS PONTOS SUSCITADOS. RECURSO NÃO PROVIDO. (Conselho da Magistratura, Recurso Administrativo n. 2018.900029-0, de Barra Velha, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. em 16/11/2018).
APELAÇÃO CÍVEL. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. PARCELAMENTO DO SOLO. IMPUGNAÇÃO MINISTERIAL NO SENTIDO DA NECESSIDADE DE LOTEAMENTO. PROJETO PARTICULAR QUE CONTEMPLA APENAS DESMEMBRAMENTO. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. SISTEMA VIÁRIO EXISTENTE QUE ATENDE SUFICIENTEMENTE AS NECESSIDADES DA LOCALIDADE. LOTEAMENTO PRESCINDÍVEL, SOB PENA DE INVIABILIZAÇÃO DO PARCELAMENTO DO SOLO. APLICAÇÃO DOS PRIMADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PARECER MINISTERIAL EQUIVOCADO. PRETENSÃO REPELIDA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. À vista dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, verificada a impossibilidade fática em se implementar um loteamento com todas as condições e acréscimos estruturais exigidos pela legislação, a manutenção da sentença que assegurou o aproveitamento racional da propriedade urbana é medida de justiça que vem ao encontro da função social da propriedade e resguarda o direito social à moradia. Demais disso, não se verifica no caso em apreço, o intuito do proprietário de driblar a necessidade de dedicação de áreas para equipamentos urbanos, contando, inclusive com a anuência do ente municipal. (TJSC, Apelação Cível n. 2011.057136-9, de Presidente Getúlio, rel. Des. Carlos Adilson Silva, Terceira Câmara de Direito Público, j. em 3/4/2012)
Ante o exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial Registrador da Comarca de Presidente Getúlio e, por consequência, determino o registro do desmembramento do imóvel objetivado por Eick Incorporadora de Imóveis Ltda, acaso inexistentes outras pendências.
Expeça-se ofício ao Oficial do Registro Público, informando-o do inteiro teor desta decisão.
Sem custas (art. 207, da Lei n. 6.015/73).
Publique-se, inclusive no DJe (caderno administrativo). Registre-se. Intimem-se, inclusive o Ministério Público.
No caso de apresentação de recurso de apelação, intime-se o oficial registrador (parte interessada) para, querendo, apresentar contrarrazões (art. 202 da Lei n. 6.015/73), no prazo legal (art. 1.010, § 1º, do CPC).
Depois, independente de nova conclusão, cientifique-se o Ministério Público e remetam-se os autos à Instância Superior (art. 1.010, § 3º, do CPC).
Após o trânsito em julgado, cabe ao interessado apresentar novamente os seus documentos, com a certidão da sentença, para que, desde logo, se proceda ao registro, declarando o oficial o fato na coluna de anotações do Protocolo. (art. 203, II, da Lei n. 6.015/73).
Oportunamente, procedam-se às anotações necessárias e arquivemse os autos.
Documento assinado eletronicamente por FELIPE AGRIZZI FERRAÇO, DIRETOR DO FORO, em 20/10/2020, às 18:17, conforme art. 1º, III, “b”, da Lei 11.419/2006.
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