PARCELAMENTO DO SOLO – DESMEMBRAMENTO – IMÓVEL RURAL INSERIDO NA ZONA URBANA – AVERBAÇÃO DO CAR E TRANSFORMAÇÃO DA ÁREA DE RESERVA LEGAL EM ÁREA INSTITUCIONAL – CERTIDÕES POSITIVAS EM NOME DO EMPREENDEDOR – DESNECESSIDADE DE APRESENTAR CERTIDÕES COMPLEMENTARES NO CASO EM CONCRETO
SENTENÇA
Trata-se de suscitação de dúvida levantada pelo Ofício de Registro de Imóveis de Garuva/SC em que figuram na condição de apresentantes Moisés Bernardes Duarte e Dolores Duarte.
O requerimento levado ao Oficial Registral foi classificado como “registro de desmembramento urbano”, relativamente ao imóvel registrado sob a matrícula n. 4.160 do Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Garuva/SC. Os apresentantes requerem o desmembramento do imóvel, atualmente com 11.687,41m2, em duas áreas distintas de 3.000,00m2 e 8.687,41m2 passando a conter matrículas imobiliárias próprias. O Oficial Registral pondera que o referido imóvel possuía natureza rural e foi transformado em urbano (Lei Complementar Municipal n. 92/2015), sendo que em momento algum teve a respectiva anotação de reserva legal.
No processo antejudicial da dúvida, o Ministério Público se manifestou pelo indeferimento do registro de parcelamento do solo urbano nos moldes originários, determinando que os apresentantes adequassem o requerimento com o resguardo das áreas de uso institucional e verde pelo fato de o imóvel não advir de loteamento anterior, bem como a alteração do Cadastro Ambiental Rural em razão da transformação do imóvel rural em urbano.
Diante da manifestação ministerial, o Oficial Registral apresentou carta de exigências aos apresentantes nos termos requeridos pelo Ministério Público, e, em razão da existência de processos judiciais em que os apresentantes figuram como réus, a apresentação de documentação complementar comprobatória e/ou título público declaratório de justificação prévia comprovando que a existência dos processos positivos não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes futuros.
Inconformados com as exigências, os interessados apresentaram impugnação alegando serem dispensáveis e descabidas, informando que o procedimento não corresponde à desmembramento, e sim a desdobro. Ainda, destacam ter ocorrido infringência à lei e ao devido processo legal pela ausência de manifestação do Município de Garuva/ SC. Aduzem que possuem direito adquirido ao desmembramento da área em decorrência do alvará de desmembramento emitido pelo Município de Garuva/SC. Ao fim, pugnaram pelo levantamento de dúvida em caso de manutenção das exigências.
Após as razões da dúvida registral (4306724, 4306729 e 4306754), determinou-se a notificação dos apresentantes para, querendo, impugnarem (4338628).
Os apresentantes se manifestaram (4681499 e 4681513) reiterando os termos da impugnação antejudicial, afirmando (i) que o procedimento se trata de desdobro; (ii) inexigibilidade da manutenção da área de reserva legal, haja vista, que a mesma se extingue, quando do registro do parcelamento do solo; (iii) aplicação das regras da Lei Estadual 17.492/2018, no que se refere aos percentuais de áreas verdes e institucionais; (iv) descumprimento do procedimento previsto na Lei de Registros Públicos; e (v) que há direito adquirido ao registro porque aprovado o desmembramento pela municipalidade.
Instado (art. 200, da Lei n. 6.015/1973), o Ministério Público pugnou pela procedência da suscitação de dúvida com a manutenção das exigências feitas pelo Oficial Registral para o registro de desmembramento do imóvel matriculado na Serventia, sob o número 4.160, livro 2 (4694681).
Relatado o necessário. Decido.
Pois bem.
I. Inicialmente, anoto que “o Procedimento de Dúvida tem natureza administrativa, não judicial. Não se confunde com os procedimentos de jurisdição voluntária previstos no CPC e em outras legislações. […] Por se tratar de procedimento de natureza administrativa, não se admitem discussões de alta indagação para o deslinde de questões complexas.” (PAIVA, Lamana, J. P. Série direito registral e notarial – O procedimento de dúvida e a evolução dos sistemas registra. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 77).
Assim, indefiro o pedido de intimação do Município de Garuva/SC, até porque a posição do ente municipal a respeito da necessidade de manutenção de áreas verdes e institucionais está explícita no Plano Diretor (Lei Complementar Municipal n. 92/2015), de modo que se faz desnecessária a sua manifestação neste procedimento.
II. Em relação ao procedimento antejudicial de dúvida, destaco que inexistem elementos que apontem inobservância à lei ou aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa. No caso, denota-se que houve publicidade de todos os atos e documentos do procedimento administrativo, sendo oportunizado prazo legal para cumprimento ou contestação das exigências.
O Oficial Registral deixou claro que, antes de publicar o edital mencionado no art. 19 da Lei n. 6.766/1979 (4306754, fl. 06), procedeu ao comando previsto no art. 734 do CNCGJ/SC, abrindo vista ao Ministério Público. Apresentada a manifestação do órgão a respeito do requerimento administrativo de desmembramento, o Oficial entendeu por exigir a documentação complementar, o que não afronta à lei. Ao contrário, o próprio art. 19 da Lei n. 6.766/1979, prevê que o edital só será publicado após a análise da ordem da documentação necessária. Portanto, o Oficial Registral cumpriu com o dever de exigir os documentos pertinentes ao ato registral, não havendo se falar em acolhimento da manifestação do Ministério Público como impugnação, pois o procedimento nem sequer chegou à fase de publicação de edital, inexistindo obrigação de manifestação do Município de Garuva/SC naquele momento.
Além disso, verifica-se a regularidade na apresentação da suscitação de dúvida em razão da insurgência dos apresentantes em relação às exigências realizadas (art. 198 da Lei n. 6.015/1973 e arts. 492, 493 e 643 do CNCGJ/SC).
III. Os apresentantes realizaram requerimento de desmembramento de imóvel, mas afirmam que o pedido, na realidade, configura-se como desdobro.
Sabe-se que o desmembramento é a “subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.” (art. 2º, §2º, da Lei n. 6.766/1979). Enquanto que o desdobro é instituto que deve estar previsto em legislação municipal e consiste na divisão do lote para formação de novos lotes (SERRA, Guerra, M., SERRA, Hipólito, M., CASSETARI, Christiano. Col. Cartórios – Registro de imóveis III: procedimentos especiais. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2016). Para adequado raciocínio, extrai-se da Lei Estadual n. 17.492/2018:
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se: […]
III – gleba: imóvel que ainda não foi objeto de parcelamento do solo para fins urbanos;
IV – lote: unidade imobiliária resultante de loteamento ou desmembramento, também denominada de terreno;
Deste modo, considerando que os apresentantes almejam a subdivisão de gleba que não passou por processo de loteamento anterior, percebe-se que o requerimento consiste propriamente em desmembramento, ainda que o desdobro esteja previsto como forma de parcelamento do solo no Plano Diretor do Município de Garuva/SC (art. 84, IV). Aliás, os interessados reconhecem o objetivo do procedimento, pois (i) requereram expressamente no pedido formulado ao Oficial Registral; (ii) pugnaram pela incidência dos arts. 18 e ss., da Lei n. 6.766/1979; (iii) obtiveram certidão de desmembramento do Município de Garuva/ SC; e, nos requerimentos da impugnação, (iv) mencionam, por mais de uma vez, o desmembramento (4681513, fl. 18).
Assim, não restam dúvidas que o desmembramento é o instituto adequado para parcelamento do imóvel registrado sob a matrícula n. 4.160 do Registro de Imóveis da Comarca de Garuva/SC, sendo reconhecido pelos próprios apresentantes.
IV. Superados os aspectos preliminares, passo à análise da regularidade das exigências realizadas e, por consequência, do acatamento ou não da dúvida suscitada. Antes, porém, registro:
No julgamento da dúvida registral, o magistrado limita-se a aferir a regularidade do pedido, no campo da legalidade formal, aplicando a solução que reputa mais adequada, sob o exame exclusivo dos aspectos relativos às normas que regem os registros públicos. Não há espaço para nenhuma espécie de discussão que desborde desses lindes. A decisão não soluciona propriamente um conflito entre as partes, tampouco chancela ato jurídico que necessariamente depende da participação estatal para sua validade. Cinge-se a cotejar o requerimento, o questionamento do oficial e a possível irregularidade apontada pelo impugnante, que, se reconhecida, pode inviabilizar o registro ou a averbação. (REsp 1570655/GO, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 23/11/2016, DJe 09/12/2016). a) A Lei n. 6.766/1979 estabelece que “somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.” (art. 3º). O imóvel inscrito sob a matrícula n. 4.160 conservava a natureza rural, sendo inserido no perímetro urbano pelo Plano Diretor (Lei Complementar Municipal n. 92/2015), o que viabiliza o desmembramento do imóvel. Consigno, porém, que a concessão, pelo Município, de alvará ao procedimento não exime o proprietário do imóvel da observância à legislação.
Portanto, não há ofensa a suposto direito adquirido quando se exige os documentos previstos em lei para a regularidade do ato registral. Compulsando-se a documentação acostada (4306989, fls. 13/15), denota-se que a área possuía inscrição como imóvel rural no CAR, mas não apresentava reserva legal cadastrada. O art. 12, da Lei n. 12.651/2012, estabelece:
Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei:
I – localizado na Amazônia Legal:
a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas;
b) 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel situado em área de cerrado;
c) 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de campos gerais;
II – localizado nas demais regiões do País: 20% (vinte por cento).
Assim, considerando a Unidade Federativa em que o imóvel está situado (Santa Catarina), deveria possuir reserva legal correspondente a 20% da sua área. Inclusive, destaco que o fato de o imóvel sob propriedade dos apresentantes ter sido inserido em perímetro urbano não os desobriga da manutenção da reserva legal, e, em tal caso, ocorre a transformação das reservas legais em áreas verdes (arts. 19, 25, II, da Lei n. 12.651/2012). Portanto, latente a necessidade de regularização do CAR do imóvel para que passe a ser registrada a área destinada à reserva legal, a fim de possibilitar a transmutação da referida parcela em áreas verdes e institucionais.
Sobre o assunto, a Lei Complementar Municipal n. 92/2015 (Plano Diretor) prevê que, em caso de desmembramento, aplicam-se, “no que couber, as disposições urbanísticas exigidas para o loteamento, sempre que a gleba a ser desmembrada não foi objeto de parcelamento do solo na modalidade em data anterior.” (art. 156). Assim, considerando que o imóvel objeto de parcelamento não decorre de loteamento anterior, deve-se resguardar a adequada porcentagem às áreas verdes e institucionais previstas no Plano Diretor:
Art. 95. Nos parcelamentos do solo serão destinadas áreas à malha viária e à implantação de equipamentos públicos urbanos, comunitários e áreas verdes, obedecendo ao traçado e ao regime urbanístico estabelecidos neste Plano Diretor.
[…]
§ 4º A porcentagem de áreas públicas previstas no caput deste artigo não pode ser inferior a 35% (trinta e cinco por cento) da área parcelável, devendo as áreas destinadas a equipamentos públicos comunitários ser de no mínimo 8% (oito por cento) e áreas verdes serem iguais ou superiores a 7% (sete por cento), salvo os casos especiais definidos nesta Lei Complementar. (Grifou-se).
Por fim, ainda que os apresentantes objetivem a incidência da Lei Estadual n. 17.492/2018 para a delimitação das áreas que devem ser destinadas aos interesses coletivos, destaco a competência nela estabelecida:
Art. 12. Respeitadas as disposições desta Lei, cabe ao Plano Diretor ou a outra lei municipal diversa, definir:
[…]
IV – as diretrizes para o sistema de áreas verdes e institucionais.
Além disso, o disposto no art. 7º, V, a, da Lei Estadual n. 17.492/2018, aplica-se aos loteamentos industriais (art. 2º, VII, e), não sendo o caso do imóvel objeto da presente suscitação de dúvida.
Diante das razões expostas, concluo pela adequada exigência de retificação do CAR do imóvel inscrito na matrícula n. 4.160 para que passe a constar a especificação da área de reserva legal, averbando-se a informação no fólio registral (art. 685, XI e XII, do CNCGJ/ SC), viabilizando posterior transmutação da parcela em área verde e institucional conforme percentuais estabelecidos pelo art. 95, §4º, da Lei Complementar Municipal n. 92/2015.
b) O art. 18, §2º, da Lei n. 6.766/1979, estabelece que “a existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais, exceto as referentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, não impedirá o registro do loteamento se o requerente comprovar que esses protestos ou ações não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes. Se o Oficial do Registro de Imóveis julgar insuficiente a comprovação feita, suscitará a dúvida perante o juiz competente.”
No caso concreto, verificou-se a existência de dois processos em que os apresentantes configuram como réus, os autos n. 0000085- 28.2010.8.24.0119/02, correspondente a incidente de desconsideração da personalidade jurídica; e os autos n. 0000949-85.2018.8.24.0119, equivalente à execução de pena (crimes contra a flora). Diante das certidões positivas, o Oficial Registral entendeu insuficiente a declaração explicativa apresentada pelas partes interessadas afirmando que os processos listados em seus nomes não acarretariam prejuízos aos futuros compradores dos imóveis a serem desmembrados. Assim, apresentou-se exigência para que os interessados fornecessem documentação comprobatória e/ou título público declaratório de justificação prévia comprovando que a existência dos processos positivos não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes futuros.
O CNCGJ/SC preconiza:
Art. 730. Para as finalidades previstas no artigo 18, § 2º, da Lei n. 6.766/1979, sempre que das certidões pessoais e reais constar a distribuição de ações cíveis, deve ser exigida certidão complementar, esclarecedora de seu desfecho ou estado atual.
Parágrafo único. Tal complementação será desnecessária quando se trate de ação que, pela sua própria natureza, desde logo aferida da certidão do distribuidor, não tenha qualquer repercussão econômica, ou, de outra parte, relação com o imóvel objeto do loteamento.
Destaco que a existência de certidão positiva pode ou não impedir o registro do desmembramento. Para tanto, necessário aferir a situação de risco indicada pela certidão, podendo expor um risco concreto (que impede) ou risco potencial (que não impede), sendo este último caso para acautelar o eventual comprador, tendo condição de pleno conhecimento dos riscos do negócio que pretende celebrar:
a) Risco concreto: Certidões de Tributos (qualquer que seja) e de Ações Reais.
b) Risco potencial: Certidões de Protesto e de Ações Pessoais.
Importante destacar que o risco potencial não obsta, necessariamente, o registro, mas indica existência de risco. Desta forma, fica ao prudente critério do registrador imobiliário proceder ao registro ou não do loteamento, mediante documentação apresentada pelo loteador de que o risco é aceitável (exemplo disto ocorre no caso de a dívida ser de valor total baixo e o patrimônio total do loteador, de grande monta, superar em muito o valor da dívida). (SERRA, Guerra, M., SERRA, Hipólito, M., CASSETARI, Christiano. Col. Cartórios – Registro de imóveis III: procedimentos especiais. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 144).
Percebe-se que as certidões narrativas dos autos n. 0000085- 28.2010.8.24.0119/02 (4306940, fl. 02) e n. 0000949-85.2018.8.24.0119 (4306948, fl. 05) apresentam risco potencial. Porém, em consulta aos autos n. 0000085-28.2010.8.24.0119/02, constatou-se que foram arquivados em razão da preclusão operada sobre a decisão que indeferiu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica. Quanto aos autos n. 0000949-85.2018.8.24.0119, aponto que, embora correspondam à execução de pena por crime contra a flora, não possuem reflexos diretos em relação imóvel, pois o réu (Moisés Bernardes Duarte) foi condenado à pena de 1 (um) ano e 1 (um) mês de detenção, em regime aberto, substituída por restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo. Situação diversa seria se a condenação fosse de caráter propter rem, como, por exemplo, a de restaurar área degradada. Assim, entendo suficiente a declaração firmada pelos apresentantes (4306948, fl. 09), dispensando-se a exigência feita pelo Oficial Registral em relação à documentação complementar comprobatória e/ou título público declaratório de justificação prévia comprovando que a existência dos processos positivos não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes futuros.
V. Impõe-se observar a redação apresentada pela parte interessada ao art. 155 da Lei Complementar Municipal n. 92/2015 (Plano Diretor) (4306997, fl. 27):
Art. 155. Considera-se desmembramento, a subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes, e que não tenham contribuído com áreas públicas para equipamentos comunitários, não cabendo, nesses casos, a doação de áreas para a municipalidade.
Em consulta à legislação municipal, percebe-se a real redação do dispositivo, que mantém a forma original desde a edição da norma: Art. 155. Considera-se desmembramento, a subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes, e que não tenham contribuído com áreas públicas para equipamentos comunitários.
Evidente a alteração proposital do texto de lei para favorecer os interesses dos apresentantes. Afinal, a redação dada ao dispositivo excluiria a obrigação de doação de áreas ao Município de Garuva/SC, justamente matéria que foi controvertida neste procedimento (áreas verdes e institucionais). O ato de deturpar texto legal é temerário e desleal, o que configura litigância de má-fé, conforme disposto no art. 80, V, do CPC. Inclusive, destaco ser plenamente cabível a aplicação subsidiária do CPC ao presente procedimento, em observância ao art. 15 do código instrumental. Pontuo que “na aplicação supletiva/ subsidiária não se pode transpor do Código, para os demais sistemas processuais específicos, regras que não se coadunem com o espírito da regulamentação processual em particular (trabalhista, eleitoral ou administrativo), naquelas hipóteses em que o silêncio é proposital, fruto de deliberada escolha de corte processual, e não ocasional. Deve existir compatibilidade do dispositivo transplantado com o ordenamento em que recebido, sob pena de ocorrer rejeição aquele.” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Teoria geral do processo : comentários ao CPC de 2015 : parte geral, São Paulo: Forense, 2015, p. 170).
Deste modo, esclarece-se que as disposições do CPC que visam punir os atos que configuram litigância de má-fé são compatíveis com o presente procedimento, pois tanto em processos judiciais quanto administrativos é dever dos sujeitos guardar a boa-fé e a lealdade.
Ressalto que a inexistência de parte adversa não afasta a condenação, porque a conduta se amolda a ato atentatório à dignidade da justiça (v.g. TJ-DF 0718709-95.2018.8.07.0016). Portanto, condeno os apresentantes ao pagamento de multa correspondente a 1% do valor do imóvel (art. 81, §2º do CPC), cuja importância será revertida em favor do Estado de Santa Catarina, destinado ao fundo mencionado no art. 97 do CPC.
Ainda, observando que os apresentantes são representados por profissional da advocacia, anoto que o Código de Ética e Disciplina da OAB estabelece como dever do advogado atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, além de adotar conduta consentânea com o papel de elemento indispensável à administração da Justiça dignidade e boa-fé (art. 4º, parágrafo único, II e X). Além disso, constitui infração disciplinar o ato do advogado que deturpar o teor de dispositivo de lei para confundir o adversário ou iludir o juiz da causa (art. 34, XIV, da Lei n. 8.906/1994).
DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida suscitada para:
a) Declarar adequada a exigência de retificação do CAR do imóvel inscrito na matrícula n. 4.160 para que passe a constar a especificação da área de reserva legal, averbando-se a informação no fólio registral (art. 685, XI e XII, do CNCGJ/SC), viabilizando posterior transmutação da parcela em área verde e institucional conforme percentuais estabelecidos pelo art. 95, §4º, da Lei Complementar Municipal n. 92/2015;
b) Afastar a exigência de apresentação de documentação complementar comprobatória e/ou título público declaratório de justificação prévia comprovando que a existência dos processos positivos não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes futuros.
Em decorrência da litigância de má-fé, interpretada como ato atentatório à dignidade da justiça, condeno os apresentantes ao pagamento de multa equivalente a 1% do valor do imóvel em favor do Estado de Santa Catarina. Transitado em julgado, intimem-se para que realizem o recolhimento da multa, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de emissão de certidão à Gerência de Arrecadação e Crédito Tributário (GERAR), da Secretaria de Estado da Fazenda, para fins de inscrição em dívida ativa, consoante o disposto no Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça.
Custas pelos apresentantes (art. 207 da Lei n. 6.015/1973). Sem honorários advocatícios, por se tratar de jurisdição administrativa. Expeça-se ofício ao Oficial Registral, informando-o do inteiro teor desta decisão.
Oficie-se à OAB Seccional de Santa Catarina, para que apure eventual infração disciplinar cometida pela advogada que patrocina os interesses dos apresentantes pela conduta especificada no item V desta sentença. Serve cópia da presente como ofício.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se, inclusive o Ministério Público. Oportunamente, arquivem-se.