COMPRA E VENDA – INDISPONIBILIDADE EM NOME DO VENDEDOR NÃO AVERBADA – VENDEDOR COM NOVO NÚMERO DE CPF CONSTANTE NA ESCRITURA PÚBLICA COM INDISPONIBILIDADE DECRETADA – QUALIFICAÇÃO NEGATIVA – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE

SENTENÇA

Vistos etc.

I – RELATÓRIO.

Raquel Lemos da Costa Amorim, oficial registradora de imóveis, apresentou suscitação de dúvida, conforme requerido por Moacir Turra e Ronaldo Coelho Pereira, aduzindo, em síntese, que restou apresentada escritura pública de compra e venda lavrada em 09.01.2020 na Escrivania de Paz de Balneário Gaivota/SC referente à aquisição de um imóvel urbano constituído do lote 15 da quadra 27, situado na “Praia Village Dunas”, Município de Balneário Gaivota, com área de 300,00m², matriculado sob o n. 8.958 do Cartório de Registro de Imóveis de Sombrio. Narrou que o registro do referido título restou impossibilitado em razão de constar na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens uma ordem de indisponibilidade de bens em nome do proprietário/vendedor Nilvo Antonio Refatti, oriunda da 2ª Vara da Comarca de Santarém/PA. Aduziu que “foi efetivada a averbação de indisponibilidade de bens na matrícula do imóvel e formulada nota de exigência comunicando a ocorrência e informando a impossibilidade de registro do título até que sobrevenha ordem judicial de cancelamento da referida indisponibilidade”, motivo pelo qual a parte suscitada alegou que a exigência fere seu direito e, assim, postulou a suscitação de dúvida. Requereu o recebimento da presente suscitação de dúvida e a sua devida apreciação. O procedimento de dúvida veio instruído com documentos (evento 4684445).

Certificou-se o decurso do prazo sem apresentação de impugnação pela parte suscitada (evento 4720804).

O Ministério Público se manifestou pela manutenção da exigência formulada pela oficial registradora de imóveis (evento 4762354).

Vieram, então, os autos conclusos.

É o relatório. Decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO.

Trata-se de dúvida suscitada pela oficial registradora de imóveis desta Comarca em razão de requerimento protocolado por Moacir Turra e Ronaldo Coelho Pereira, cuja ausência de impugnação, devidamente certificada (evento 4720804), não constitui óbice ao julgamento (art. 199 da LRP).

Anoto, inicialmente, que “a averbação e o registro de qualquer documento ou título no Registro de Imóveis deve se submeter ao procedimento atinente, sendo que incumbe ao oficial registrador verificar o preenchimento dos pressupostos à formalização do ato, sob pena de responsabilização” (TJRS, Apelação Cível n. 70078762002, Décima Nona Câmara Cível, rel. Des. Marco Antonio Angelo, julgado em 06-12-2018).

No caso dos autos, verifica-se que a qualificação registral do título apresentado pelos interessados resultou negativa, conforme já se antecipou, tendo a oficial de registro de imóveis expedido nota de exigência elencando a razão da recusa, qual seja, a existência de ordem judicial de indisponibilidade de bens em desfavor do proprietário/ vendedor Nilvo Antonio Refatti.

Nesse contexto, após análise minuciosa da documentação trazida aos autos, entendo que assiste razão à oficial registradora de imóveis, tendo em vista que, havendo ordem de indisponibilidade de bens contra o proprietário do imóvel, o registro do título somente poderá ser levado a efeito caso sobrevenha determinação judicial de cancelamento da referida indisponibilidade.

Com efeito, o relatório de consulta trazido aos autos comprova a existência de ordem judicial de indisponibilidade de bens em nome do proprietário Nilvo Antonio Refatti, oriunda da 2ª Vara da Comarca de Santarém/PA (processo judicial n. 200832090000516), regularmente cadastrada na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (evento 4684445, pág. 30/31).

Não fosse o bastante, extrai-se dos autos que o procedimento adotado pela oficial registradora de imóveis observou rigorosamente o que determina o Provimento n. 39/2014 do CNJ, senão vejamos:

Art. 8º. A partir da data de funcionamento da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB os oficiais de registro de imóveis verificarão, obrigatoriamente, pelo menos na abertura e uma hora antes do encerramento do expediente, se existe comunicação de indisponibilidade de bens para impressão ou importação (XML) para seu arquivo, visando o respectivo procedimento registral.

Art. 14. Os registradores de imóveis e tabeliães de notas, antes da prática de qualquer ato notarial ou registral que tenha por objeto bens imóveis ou direitos a eles relativos, exceto lavratura de testamento, deverão promover prévia consulta à base de dados da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB, consignando no ato notarial o resultado da pesquisa e o respectivo código gerado (hash), dispensado o arquivamento do resultado da pesquisa em meio físico ou digital. […]

§ 3º. Verificada a existência de bens no nome cadastrado, a indisponibilidade será prenotada e averbada na matrícula ou transcrição do imóvel, ainda que este tenha passado para outra circunscrição. Caso não figure do registro o número do CPF ou o do CNPJ, a averbação da indisponibilidade somente será realizada se não houver risco de tratar-se de pessoa homônima. (Grifei).

Muito embora a averbação de indisponibilidade tenha ocorrido em 14.01.2020, ou seja, em momento posterior à apresentação do título na serventia extrajudicial, certo é que a indisponibilidade restou cadastrada na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens em 18.03.2016 (evento 4684445, pág. 30/31), concluindo-se que a ordem judicial advinda da 2ª Vara da Comarca de Santarém/PA foi anterior a própria procuração pública subscrita pelo proprietário do imóvel (dia 26.12.2017 – evento 4684445, pág. 18/19).

Não há falar, ademais, em preferência ou prioridade de registro decorrentes do número de ordem ou da prenotação do título apresentado (art. 186 da LRP), uma vez que, conforme pontuou a oficial registradora, a averbação da indisponibilidade antecede à prática de todo e qualquer ato de disposição da propriedade imobiliária, a fim de impedir a transferência de bens daqueles que tiveram seu patrimônio indisponibilizado por ordem judicial.

Impende ressaltar, no ponto, que “tal indisponibilidade não havia sido registrada antes porque, na escritura pública pela qual Nilvo comprara o imóvel em questão, nos idos de 1985, constava que seu CPF era 170.671.380-00, enquanto que o CPF inserido na CNIB era 470.827.982-53 (o mesmo constante na escritura pública pela qual Nilvo vendeu o imóvel em questão)”, conforme bem mencionou o Ministério Público (evento 4762354).

Nessas condições, portanto, revela-se acertada a exigência da oficial registradora, sendo certo que, se levado à efeito o registro nos moldes postulados, estar-se-ia chancelando violação às normas de indisponibilidade patrimonial, em flagrante burla à decisão exarada pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Santarém/PA.

Não cabe, por fim, discussão acerca de eventual conhecimento prévio dos interessados quanto à ordem judicial de indisponibilidade, tampouco sobre a existência ou ausência de boa-fé dos envolvidos, uma vez que o procedimento de dúvida serve apenas para verificar a correção – ou não – das exigências formuladas pelo registrador de imóveis. Assim, para viabilizar o registro do título, cabe aos interessados, por meio da via processual adequada e perante o juízo competente, o cancelar a referida ordem de indisponibilidade (art. 204 da LRP).

III – DISPOSITIVO.

DIANTE DO EXPOSTO, julgo procedente a presente suscitação de dúvida para, em consequência, manter a exigência formulada pela oficial registradora de imóveis quanto ao registro do título de transferência do imóvel de matrícula n. 8.958 do Cartório de Registro de Imóveis de Sombrio.

Sem custas (Circular CGJ n. 149/2019).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Ciência ao Ministério Público.

No caso de apresentação de recurso de apelação, intime-se a oficial registradora (parte interessada) para, querendo, apresentar contrarrazões (art. 202 da Lei n. 6.015/73), no prazo legal (art. 1.010, § 1º, do CPC). Após, independente de nova conclusão, cientifique-se o Ministério Público e remetam-se os autos à Instância Superior (art. 1.010, § 3º, do CPC).

Após o trânsito em julgado, restituam-se os documentos ao suscitado, independente de translado, dando-se ciência da presente decisão à Oficial de Registro de Imóveis para que a consigne no protocolo e cancele eventual prenotação (art. 203, I, da Lei n. 6.015/73).

Oportunamente, procedam-se com as anotações necessárias e arquivem-se os autos, dando-se as baixas de estilo.

Documento assinado eletronicamente por EVANDRO VOLMAR RIZZO, JUIZ DE DIREITO DE ENTRÂNCIA FINAL, em 24/07/2020, às 13:58, conforme art. 1º, III, “b”, da Lei 11.419/2006.