PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – NULIDADE DE REGISTRO – RETIFICAÇÃO DE ÁREA SEM A ANUÊNCIA DE TODOS OS INTERESSADOS – NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – A NULIDADE DEVE SER DISCUTIDA PELAS PARTES INTERESSADAS NA VIA ORDINÁRIA – EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO

DECISÃO

Vistos para sentença.

Cuida-se de “pedido de providências” remetido a este juízo por Paulo Odilon Xisto Filho, na qualidade de representante do Ofício de Registro de Imóveis desta Comarca.

Em síntese, sustentou o Oficial que: a) houve a abertura, em 31.07.1987, naquela serventia, da Matrícula 6.857, oriunda da Transcrição n. 16.638 do Ofício de Registro de Imóveis de Laguna-SC, tendo por objeto um terreno urbano situado na localidade Guaiúba, Imbituba-SC, com área superficial de 6.553,75m², de propriedade de Antonio Manoel e sua esposa Nilza Ana Manoel; b) na mesma ocasião, os proprietários procederam à transferência do imóvel, mediante duas vendas, nos seguintes moldes: a fração de 4.843,75m² a Etopázio Arlindo Leal e sua esposa Custódia de Carvalho Leal e a fração de 1.710,00m² a Claudionir Leal e Clodoaldo Leal, passando o imóvel ao regime de condomínio entre os adquirentes; c) em 11.06.2008, os proprietários da área de 4.843,75m a transferiram a Amilton Alves da Rosa, que requereu, então, a retificação da área de sua parte no imóvel, passando a titularizar, nos termos do Av. 4, a área de 2.792,00m², sem observância do procedimento legal exigível; d) nos casos em que há alteração das medidas perimetrais, a retificação de área demanda requerimento dos interessados, nos termos do artigo 213, II, da Lei 6.015/73 e não houve aposição da assinatura de Clodoaldo Leal ou notícia da promoção de sua notificação; e) embora Claudionir Leal tenha aposto sua assinatura à planta, não houve concordância da totalidade dos condôminos, e, por se tratar de nulidade, pode ser levantada por qualquer das partes; f) há a vedação legal à promoção da alteração substancial da área do imóvel sem concordância geral dos condôminos, e não há que se afirmar que o disposto no R. 2, R. 3 e Av. 4, ao localizar as respectivas áreas, afastaria a necessidade de anuência, por conta do princípio da unitariedade da matrícula.

Requereu, ao final, a determinação de cancelamento do Av. 4-6.857, em virtude da nulidade. Acostou documentos (doc. 4786070 a doc. 4786119).

Os autos foram encaminhados ao Ministério Público, o qual informou inexistir interesse relevante a reclamar a atuação ministerial.

É o relato.

Decido.

Prevê o art. 214 da Lei de Registros Públicos que as nulidades verificadas nos registros podem ser decretadas independentemente de ação direta, desde que respeitados o contraditório e a ampla defesa. De seus parágrafos 3º e 4º, ademais, extrai-se:

Art. 214 – As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.

[…]

§ 3o Se o juiz entender que a superveniência de novos registros poderá causar danos de difícil reparação poderá determinar de ofício, a qualquer momento, ainda que sem oitiva das partes, o bloqueio da matrícula do imóvel.

§ 4o Bloqueada a matrícula, o oficial não poderá mais nela praticar qualquer ato, salvo com autorização judicial, permitindo-se, todavia, aos interessados a prenotação de seus títulos, que ficarão com o prazo prorrogado até a solução do bloqueio.

[…]

Com efeito, “constatado pelo Oficial Registrador divergências, erros ou equívocos na matrícula do imóvel, o Poder Judiciário, quando acionado nestes casos, poderá determinar o bloqueio do registro imobiliário, sob a premissa de garantir eventuais direitos de terceiros de boa-fé, como os anseios do proprietário do bem litigioso, nos termos do art. 214, §§ 3º e 4º, da Lei de Registros Públicos” (TJSC, Apelação Cível n. 2014.025359-4, de Itajaí, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 19-11-2015).

In casu, segundo informou a representante do Ministério Público, tramita neste juízo ação ajuizada por Claudionir Leal e Clodoaldo Leal, tendo como interessado Amilton Alves da Rosa.

Efetivamente, os autos da ação n. 03009061720198240030, ajuizada em 12.04.2019, segundo dados do eproc, versam sobre “nulidade de averbação (av.4) da matrícula 6.857 do registro de imóveis de Imbituba”, e encontram-se suspensos em razão do pedido de providências formulado.

Nestes autos, o oficial Registrador informa: “[…] a documentação anexa, arquivada nesta serventia e utilizada como título à retificação de área inscrita sob Av. 4, demonstra a inexistência de aposição da assinatura de Clodoaldo Leal – o que poderia indicar participação no expediente -, bem assim não há notícia da promoção de sua notificação. Embora Claudonir Leal tenha aposto, aparentemente, sua assinatura à planta, o fato é que não houve concordância da totalidade dos condôminos, e, por se tratar de nulidade, pode ser levantada por qualquer das partes”. Do documento n. 4786119, extrai-se, contudo, que Claudionir alega a ausência de sua anuência expressa à referida retificação.

Diante de tais considerações, deixo assente a manifesta impossibilidade de reconhecimento de nulidade da averbação apontada como irregular nestes autos, diante da necessidade de dilação probatória, até pela incompletude dos documentos apresentados, e intervenção de todos os interessados em demanda própria, a fim de preservar direitos de terceiros.

A propósito, colhe-se da jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, mutatis mutandis:

APELAÇÃO CÍVEL. ALEGADA FRAUDE DE REGISTRO DE ESCRITURAS PÚBLICAS EM CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. NULIDADE DE PLENO DIREITO. MAGISTRADO A QUO QUE INDEFERE A PETIÇÃO INICIAL SOB O MOTE DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. INCONFORMISMO DA REQUERENTE. INTERESSADA QUE, SOB O FUNDAMENTO DE NULIDADE DA ESCRITURA PÚBLICA EM QUE SE AMPAROU O REGISTRO DE TRANSFERÊNCIA DOS IMÓVEIS, ALMEJA A NULIDADE DA AVERBAÇÃO DE AQUISIÇÃO DAS UNIDADES IMOBILIÁRIAS À MARGEM DO REGISTRO IMOBILIÁRIO. NECESSIDADE DA PARTICIPAÇÃO, NA LIDE, DOS ALEGADOS FRAUDADORES. PLEITO DE NULIDADE DO REGISTRO QUE NÃO SE CONFUNDE COM NULIDADE DAS ESCRITURAS. OCORRÊNCIA DE VÍCIO INTRÍNSECO (AUSÊNCIA DE ASSINATURA DO REPRESENTANTE LEGAL DA APELANTE). JURISDIÇÃO CONTENCIOSA QUE SE MOSTRA NECESSÁRIA. INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO DO ART. 214 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS. PRECEDENTE DESTA CORTE. INEXISTÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. MANUTENÇÃO DO DECISUM PROFLIGADO QUE SE IMPÕE. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2009.021329-5, de Sombrio, rel. Rosane Portella Wolff, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 25-10-2012).

Do teor do acórdão, extrai-se, ainda, que, a teor das lições de Narciso Orlandi Neto, “a nulidade do registro para ser declarada autonomamente, sem processo contencioso, deve ser evidente ao simples exame do registro. Não há outro modo de interpretar-se o requisito da lei, de que a nulidade deve estar provada independentemente de ação direta. Se não há ação, não há processo contencioso, não há fase instrutória, não há ocasião para produzir-se prova diversa dos elementos que compõem o próprio registro. A irregularidade formal que leva a anulação deve, pois, ser vistosa, deve ser percebida visualmente, sem necessidade de exame de outros documentos ou fatos. […] Por mais que seja evidente a irregularidade do título, a causa de anulabilidade, sempre será necessária a declaração em processo contencioso movido contra aquele a quem o registro aproveita” (obra citada, p. 196) (grifei). (TJSC, Apelação Cível n. 2009.021329-5, de Sombrio, rel. Rosane Portella Wolff, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 25-10-2012).

Assim, no que concerne ao pedido formulado nestes autos, reputo inadequada a via eleita, e, por consequência, ausente o interesse de agir, sem prejuízo da resolução da controvérsia existente pelas vias ordinárias.

Isso posto, julgo extinto o presente processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil.

Determino, ainda, sejam intimados os proprietários das matrículas em apreço para que, querendo, busquem as vias cabíveis a fim de solver a controvérsia.

Sem custas e sem honorários.

Comunique-se ao Oficial Registrador.

P.R.I.

Arquive-se.

Documento assinado eletronicamente por WELTON RUBENICH, JUIZ DE DIREITO DE ENTRÂNCIA FINAL, em 19/08/2020, às 14:08, conforme art. 1º, III, “b”, da Lei 11.419/2006.