CONSULTA 023/2019 – RI – USUCAPIÃO – JUSTO TÍTULO – QUEBRA DA CADEIA DOMINIAL
Sabemos que nos processos de usucapião, na modalidade ordinária (art. 1.242 do CC), além da posse mansa, pacífica, ininterrupta, com animus domini, por, no mínimo, 10 anos, exige-se boa-fé e justo título.
O “justo título”, segundo Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald, recebe duplo significado, qual seja: “(…) a) no art. 1.201 do Código Civil, a expressão colhe acepção ampla, significando qualquer causa que justifique uma posse; b) no art. 1.242, o justo título é interpretado restritivamente como um título apto em tese para transferir a propriedade e outros direitos reais usucapíveis”.¹
Marcelo de Rezende Campos Marinho Couto, por sua vez, afirma que é necessário entender a diferença entre justo título de posse e justo título de propriedade:
“É importante entender bem a diferença entre o justo título de posse, que analisa a situação jurídica do ponto de vista do exercício da posse em face de terceiros, e o justo título de propriedade, que ampara a posse ad usucapionem e autoriza o reconhecimento da usucapião ordinária. O primeiro apenas justifica a relação jurídica possessória, gerando a presunção de que a posse não é exercida em detrimento do antigo possuidor. Daí porque o título faz nascer a presunção de boa-fé. Já o segundo é a exteriorização de uma relação jurídica de direito real, em geral de propriedade, sendo esta a justificativa para o exercício da posse. Assim, quem compra a posse do invasor, pode ter uma causa jurídica para embasar a posse que exerce, qual seja a compra dos direitos possessórios que o possuidor natural tinha. De igual modo, quem adquire um imóvel a prazo, firmando contrato de promessa de compra e venda, tem um justo título que suporta o exercício da posse, podendo defende-la inclusive em face do alienante, enquanto vigente o contrato. Nos dois exemplos, ‘os adquirentes’ tem posse com justo título, ou seja, existe uma causa que justifica o exercício da posse. Para fins de indenização de benfeitorias e frutos, esses documentos são suficientes para justificar a relação jurídica existente. Entretanto, apenas o segundo poderá se valer de seu título (contrato de promessa de compra e venda) para caracterizar a usucapião ordinária, caso o alienante não lhe outorgue o contrato definitivo após a quitação do preço.”²
Sustenta o autor, por fim, “do ponto de vista da usucapião, somente o justo título de propriedade pode dar suporte à modalidade ordinária”, ressalvando que, no entanto, “se a posse foi adquirida em razão de uma justa causa, e não existindo um título representativo desse ato ou negócio jurídico, poderá sua ausência ser suprida pelo procedimentos de justificação, de modo que a aquisição da propriedade seja deferida ao justo possuidor, através da modalidade ordinária”.³
Como exemplo:
EMENTA: APELAÇÃO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1) No usucapião extraordinário, o art. 1238, do Código Civil, exige como requisitos: posse ininterrupta e sem oposição por quinze anos e “animus domini” – independentemente de justo título e boa-fé. 2) No usucapião ordinário, o art. 1242, do CC, exige posse contínua e inconteste por dez anos, além de justo título e boa-fé. 3) No caso concreto não há prova da posse mansa e ininterrupta pelo apelante nem por quinze anos nem por dez anos. 4) O justo título, por sua vez, é aquele hábil a transferir o domínio. A configuração do justo título pressupõe que o instrumento tenha sido assinado pelo proprietário, ou ainda, que se demonstre a cadeia entre o detentor da titularidade do bem, conforme descrito na matrícula do imóvel, e os seguintes que adquiriram o bem por meio de contrato particular. 5) Na situação em apreço nem o mandado de averbação perante o RGI nem o recibo configuram justo título. Esses instrumentos não foram outorgados por pessoa que detivesse a propriedade dos bens nem restou comprovada a suposta cadeia sucessória no âmbito particular. 6) Recurso conhecido e improvido, com a manutenção da sentença objurgada. (TJES, Classe: Apelação, 048030150675, Relator : RONALDO GONÇALVES DE SOUSA, Órgão julgador: TERCEIRA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 02/06/2015, Data da Publicação no Diário: 16/10/2015)
Com base no exposto, sabendo da responsabilidade imputada aos Oficiais de Registro na análise e no deferido dos pedidos de usucapião no âmbito extrajudicial, e dos diversos julgados e entendimentos contrários ao informado, questionamos:
1) É aceitável o justo título quando o objeto é imóvel com matrícula e a venda é a non domino, ou seja, feita por quem não é titular do imóvel? Ou seja, é necessário que o interessado em utilizar o justo título comprove a cadeia de sucessores que permita a vinculação com o proprietário da matrícula?
2) E, ainda, consideram admissível o justo título que não contenha as firmas reconhecidas das partes envolvidas, já que põe em dúvida a real data do negócio?