CONSULTA 054/2019 – RI – USUCAPIÃO FAMILIAR – (IM)POSSIBILIDADE NA ESFERA EXTRAJUDICIAL

Recebemos um requerimento de usucapião familiar, fundamentado no art. 1.240-A do Código Civil, o qual prevê: “Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”

Todavia, conforme bem salienta o doutrinador Francisco Eduardo Loureiro, “A expressão abandono do lar deve ser entendida não em seu aspecto meramente físico, de alguém deixar de morar com o seu consorte sob o mesmo teto. A leitura que se faz da expressão abandono do lar, com os olhos postos na CF, somente pode ser interpretada como abandono da família, deixando-lhe de prestar assistência material e moral.”¹

Esse é também o conceito trazido pelo Enunciado n° 595 da VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, o qual aduz: “O requisito ‘abandono do lar’ deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado 499.”

A jurisprudência, de igual maneira, é uníssona, a exemplo do seguinte julgado da Terceira Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DIVÓRCIO C/C PARTILHA DE BENS. CASAMENTO SOB O REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. SENTENÇA DE DETERMINOU A DIVISÃO DO IMÓVEL ADQUIRIDO PELOS LITIGANTES. RECURSO DA RÉ. DECISÃO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. JUIZ QUE DECIDIU CONFORME INTERPRETAÇÃO DOS FATOS NARRADOS PELAS PARTES. APELANTE QUE ALEGA QUE O EX-MARIDO ABANDONOU O LAR CONJUGAL, E PORTANTO O IMÓVEL DEVE SER EXCLUÍDO DA PARTILHA, POIS CONFIGUROU-SE A USUCAPIÃO FAMILIAR. APELADO QUE SEMPRE MANTEVE CONTATO COM A FILHA DO CASAL. ABANDONO DO LAR NÃO COMPROVADO. REQUISITOS DA USUCAPIÃO FAMILIAR (ART. 1.240-A, DO CÓDIGO CIVIL) NÃO PREENCHIDOS. COMPETÊNCIA DA VARA DA FAMILIA A AÇÃO QUE VERSA SOBRE USUCAPIÃO FAMILIAR. AÇÃO CONEXA POR IDENTIDADE DE OBJETOS À AÇÃO DE DIVÓRCIO DADO QUE ENVOLVE RELAÇÃO FAMILIAR. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Para que se configure a usucapião familiar, é necessário que o ex-cônjuge ou ex-companheiro tenha abandonado o lar conjugal de forma dolosa, deixando o núcleo familiar a própria sorte, ignorando o que a família um dia representou. Assim, a simples saída de casa, não configura o abandono do lar, que deve ser interpretrado de maneira cautelosa, com provas robustas amealhadas ao longo da instrução processual. (TJSC, Apelação Cível n. 0303473-85.2016.8.24.0075, de Tubarão, rel. Des. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 06-03-2018).

Dessa forma, ante o exposto, diante do amplo conceito de “abandono do lar”, o qual vai além do abandono físico da moradia familiar habitual, restaram dúvidas sobre a possibilidade de julgamento do pedido da usucapião na via extrajudicial, uma vez que de difícil averiguação, em razão da necessidade de apuração da comprovação do abandono voluntário do lar e da família, tanto fisicamente, quanto moralmente e financeiramente, fato que, aos nossos olhos, é de improvável comprovação na via extrajudicial.

Isto posto, questiona-se o posicionamento dos colegas a respeito da (im)possibilidade de admissão do pedido de usucapião familiar (art. 1.240-A do Código Civil) na via extrajudicial?

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¹GODOY, Claudio Luiz Bueno de (et. al); PELUSO, Cezar (coord.). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 13ª ed. rev. e atual. Barueri (SP): Manole, 2019, p. 1.192.